HOMESCHOOLING: MERA POSSIBILIDADE OU LIBERDADE FUNDAMENTAL?

Uma análise jurídica do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 888.815 pelo Supremo Tribunal Federal

Autor: Igor Costa Alves

Graduado em Direito pelo UniCEUB – Centro Universitário de Brasília. Mestrando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogado.

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ALVES, Igor Costa. Homeschooling: mera possibilidade ou liberdade fundamental? Uma análise jurídica do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 888.815 pelo Supremo Tribunal Federal. Revista JusLogos, ano I, Setembro de 2021, nº 01, págs. 59 a 87.

Resumo

Este artigo tem por objetivo analisar o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil acerca da constitucionalidade da educação domiciliar. Para tanto, faz-se, inicialmente, uma síntese do caso passando pelos pontos essenciais de cada voto.

Depois, faz-se uma breve análise histórica da prática da educação domiciliar e, também, da história dos direitos fundamentais, especialmente no que toca à liberdade e à igualdade.

Em seguida, investiga-se o instituto da omissão inconstitucional e a sua relação com a justiça constitucional brasileira. Neste ponto, separa-se a fiscalização difusa de constitucionalidade da concentrada, assim como as omissões totais das parciais e, por fim, delimita-se o âmbito – dentro da análise das omissões inconstitucionais – no qual é possível ao Poder Judiciário prolatar sentenças de efeitos aditivos.

Por último, examina-se, também com base nos aspectos empíricos concernentes à matéria do julgamento, se a educação domiciliar no Brasil é, ou não, um direito constitucional e se a Corte Constitucional brasileira logrou êxito, ou não, em seu papel de fazer cumprir a Constituição neste caso.

Palavras-Chave: Educação domiciliar - Supremo Tribunal Federal - Monopólio educativo - Neoconstitucionalismo - Omissão inconstitucional - Ativismo judicial - Liberdades Fundamentais - Direito dos pais sobre a educação dos filhos - Dever do Estado, da família e da sociedade na Educação.

Introdução

No mundo contemporâneo, a educação escolar é a mais vulgar. Não é incomum que as famílias matriculem seus filhos em escolas, sejam elas privadas ou públicas. Todavia, não foi sempre assim: antes da educação escolar havia a educação doméstica, mas, por diversos fatores que escapam aos limites deste artigo jurídico, a educação migrou do âmbito doméstico para o escolar.

Não obstante isso, a prática de prescindir da escola para dar aos filhos a educação formal em casa – o homeschooling – não se extinguiu. Pelo contrário, existe no Brasil e na maior parte do mundo ocidental.

Em setembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal brasileiro foi provocado a dar, em controle abstrato, uma resposta à questão de ser a prática da educação domiciliar constitucional ou inconstitucional. No entanto, o Tribunal encontrou uma solução para o caso que pode parecer intermediária: por meio de um juízo de omissão inconstitucional – visto que não há, no Brasil, lei ordinária que regulamente a prática –, decidiu que o homeschooling não é proibido pela Constituição brasileira, mas, de outro lado, também não é, segundo a mesma Carta, um direito subjetivo público.

Essa solução foi dada pelo Supremo Tribunal depois de três outros caminhos sugeridos por outros votos que, no entanto, foram vencidos pelo voto do Ministro Alexandre de Moraes, que foi seguido pela maioria dos julgadores. Com efeito, a votação apertada é reflexo da complexidade jurídica e das incertezas que permeiam o tema, as quais serão investigadas e, quiçá, respondidas neste paper.

1. Síntese do caso

O caso a ser analisado neste paper, Recurso Extraordinário (RE) n.º 888.815 do Rio Grande do Sul[1], foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, em 12 de setembro de 2018, em sede de controle difuso concreto de constitucionalidade. Trata-se do julgamento acerca da constitucionalidade do homeschooling, ou ensino domiciliar, no Brasil. Nos últimos anos, a Suprema Corte brasileira tem sido provocada a tomar decisões importantes no âmbito da educação: em 2017, decidiu ser constitucional o ensino religioso confessional nas escolas públicas; em 2018, julgou o ensino domiciliar, o que será objeto de análise neste artigo; e tem corriqueiramente sido provocada a julgar, em abstrato, leis que proscrevem o que se tem por doutrinação ideológica em sala de aula.

Na origem, o RE n.º 888.815 era um mandado de segurança, remédio constitucional para tutelar direito líquido e certo; a impetrante, uma aluna de ensino domiciliar representada por seus pais. A família, todavia, não logrou êxito nas instâncias ordinárias, razão pela qual o STF foi provocado a julgar o caso pela perspectiva constitucional. No direito infraconstitucional brasileiro, o ensino domiciliar não é regulamentado, porém, o que a Constituição nos diz sobre o tema? Pois bem, os recorrentes alegaram que a proibição do ensino domiciliar pelas autoridades estatais viola a Constituição brasileira nos seus seguintes artigos: 5º, VI; 205; 206, II, III, IV; 208; 210; 214; 226; 227 e 229. A partir de tais dispositivos, clamaram pelos seguintes direitos fundamentais: liberdade de ensinar, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e liberdade dos pais de escolha do modelo de educação dos filhos.

O Ministro Luís Roberto Barroso, por ser o Relator do caso, votou em primeiro lugar. O Ministro relembrou alguns argumentos oferecidos em parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), quais sejam: a escola é local apropriado para socialização, para desenvolvimento da tolerância, da solidariedade e da ética; a escolarização é o padrão pedagógico adotado pela Constituição; portanto, no regime constitucional brasileiro, não há lugar para o homeschooling. O Relator, no entanto, não se convenceu com o esmero argumentativo da PGR e declarou: “por convicção filosófica, sou mais favorável à autonomia e à emancipação das pessoas do que ao paternalismo e às intervenções heterônomas do Estado, salvo em hipóteses em que se considere essa intervenção absolutamente indispensável”[2].

Em seguida, apontou aspectos empíricos relevantes: há pais que desejam assumir – ou já assumem – a educação formal de seus filhos; fazem-no porque acreditam que podem fornecer instrução moral, filosófica, religiosa e científica mais adequada; creem na superioridade do método; no Brasil, há famílias que estão geograficamente limitadas a acessarem instituições de ensino; os alunos da educação básica brasileira, segundo as avaliações dos órgãos competentes, têm apresentado resultados insuficientes; a educação domiciliar tem aumentado ao redor do mundo significativamente e, no Brasil, segundo dados oficiais, mais de três mil famílias já a adotam; nos Estados Unidos da América é lícito – e lá as crianças de educação domiciliar destacam-se tanto no que se refere ao rendimento acadêmico como na socialização –, assim como na maioria dos países europeus[3].

O Ministro então completou: a legislação ordinária prevê o dever dos pais de matricular os filhos menores na educação básica, mas tal dever é para os que optaram pela educação escolar; tratados internacionais preveem o direito dos pais a que seus filhos recebam educação moral e religiosa segundo suas convicções; pela Carta Magna, o ensino é livre à iniciativa privada. Por fim, esclareceu que a Constituição impede a proibição do homeschooling, mas, também por ela, o Estado não se pode furtar a fiscalizá-lo.

Portanto, deu provimento ao recurso e fixou a tese: “É constitucional a prática de ensino domiciliar (homeschooling) a crianças e adolescentes em virtude da sua compatibilidade com as finalidades e os valores da educação infanto-juvenil, expressos na Constituição de 1988”[4]. Conseguintemente, o Ministro atestou que os órgãos legiferantes estavam em estado de mora inconstitucional e, assim, reconheceu a omissão inconstitucional e determinou uma regulamentação pelo próprio STF enquanto não houver resposta do Poder Legislativo.

Não obstante, o Relator foi vencido em seu posicionamento. O voto vencedor, do Ministro Redator do acórdão Alexandre de Moraes, foi no sentido de que a Constituição não proíbe a prática, mas o ensino domiciliar não é um direito subjetivo público. Com efeito, o Redator sustentou: a Lei Maior consagra, no âmbito da educação, a solidariedade entre família, Estado e sociedade, ou seja, nenhuma dessas figuras pode ser desconsiderada; a escola é espaço importante para convivência familiar e comunitária; o regime constitucional brasileiro veda o unschooling radical (vedação à participação do Estado na educação), o moderado (evita-se a institucionalização estatal da educação) e o homeschooling puro (permite-se a institucionalização, mas reconhece-se a tarefa primordial da família); no Brasil, é possível, contudo, o ensino domiciliar utilitarista ou por conveniência circunstancial – que pode ser religiosa, inclusive –, mas desde que regulamentado; e negou provimento ao recurso fixando a tese: “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira”[5].

Em seguida votaram os outros magistrados que integram a Suprema Corte. Até então, duas possibilidades diferentes eram viáveis, uma dada pelo Relator, outra pelo Redator. Todavia, surgiram ainda outras. O Ministro Edson Fachin entendeu que o Tribunal estava diante de um direito que estava “a depender de uma efetiva política pública” e que caberia “ao Poder Judiciário exigir a realização dessa política”, por isso, votou por se fazer um apelo ao Poder Legislativo para disciplinar a forma de execução e de fiscalização do homeschooling no prazo máximo de um ano[6].

Ainda outra possibilidade veio a julgamento com o voto do Ministro Luiz Fux, que entendeu ser a educação domiciliar inconstitucional: “o ensino domiciliar, homeschooling, ministrado pela família, não é meio adequado para o cumprimento do dever de educação assegurado na Constituição Federal”. Isso porque, afirmou o juiz: o ensino escolar deve ser fortalecido, inclusive numa perspectiva de respeito aos direitos humanos e à igualdade de gênero; a prática não favorece a tolerância e a pluralidade; a escola tem importante função socializadora; o homeschooling favorece uma educação proselistista religiosa; se houvesse uma ponderação a educação domiciliar não passaria sequer pelo crivo da necessidade; a prática viola a igualdade na escola, pois só é efetivamente possível a uma classe financeiramente mais privilegiada[7].

Dado o exposto, verifica-se, dos votos, quatro respostas diferentes de juízes da justiça constitucional brasileira para a educação domiciliar: i) é constitucional e o Tribunal deve, em razão da omissão inconstitucional, regulamentar a prática até que os órgãos legiferantes ajam; ii) a Constituição não proíbe o homeschooling, mas não se trata de um direito subjetivo público, dessa sorte a prática depende de previsão legal; iii) trata-se de um direito constitucional impossibilitado de ser exercido por falta de uma política pública, por isso cabe ao Tribunal exigi-la por meio do apelo ao legislador; e v) tal método de educação é inconstitucional no Brasil.

No fim, a maioria do STF votou com a hipótese sugerida pelo Ministro Redator, qual seja, a de que o homeschooling, em que pese não ser vedado pela Carta Magna, não é um direito subjetivo público e, portanto, esse é um tema que deve ser solucionado pelo Estado-legislador, não pelo Estado-juiz. No entanto, nota-se, pela amplitude das divergências, que se trata de uma zona nebulosa que, portanto, merece ser analisada com profundidade neste artigo.

2. Dos modelos educativos

2.1. Da análise histórica e do monopólio educativo do Estado

As ciências adjacentes têm importância salutar na realização do Direito[8], entre elas, as ciências históricas têm especial valor. Portanto, faz-se um breve levantamento histórico acerca da educação.

Na história, a educação surgiu, em primeiro lugar, no seio da família. Depois, as escolas surgiram num processo de transferência da educação para fora do âmbito familiar[9]. A criação das primeiras escolas foi na Grécia antiga (Atenas, sec. VII a. C.): eram escolas privadas, todavia. As escolas estatais, portanto, são historicamente mais recentes; a partir delas, é possível fazer uma classificação de modelos educativos: i) monopólio educativo do Estado; ii) liberdade de educação à margem do Estado; iii) e liberdade de educação efetivamente tutelada pelo Estado[10].

O primeiro item, monopólio da educação pelo Estado, é conveniente aos Estados totalitários, os quais o utilizam para doutrinar ideologicamente[11]. Nessa mesma linha, Jorge Miranda alerta para o fato de que os regimes totalitários instrumentalizam, em prol da sua sobrevivência, os meios de comunicação social e a educação[12].

Paulo Adragão, ao investigar, em Portugal, a liberdade de aprender, utilizou-se das pesquisas em História do Direito de Braga da Cruz para fazer constatações certeiras sobre o tema que se segue. Efetivamente, salvo a experiência de Esparta, na Grécia antiga, quando houve monopólio educativo para fins militares, não se vislumbra nas épocas antiga e medieval tal fenômeno. Na verdade, esses outros períodos históricos conheceram o monopólio escolar: concentração da educação numa mesma entidade. O monopólio educativo, de outra forma, é fenômeno moderno e tem a ver com o monopólio de doutrina: quer-se impor à sociedade determinada ideologia por meio da educação; aqui, diferente do monopólio escolar, há um monopólio autoritário, coercitivo[13].

A Roma antiga detinha, igualmente, monopólio escolar, mas, com as invasões bárbaras, a cultura ocidental, como se sabe, foi quase totalmente perdida. Todavia, a Igreja Católica, na Idade Média, preservou esse arcabouço cultural: tratou-se aqui, igualmente, de monopólio escolar – e não educativo. Isso porque, em primeiro lugar, apesar do caráter doutrinário, a Igreja conseguiu oferecer um ensino amplo e abrangente como era o romano. Depois, porque não havia coerção: a Igreja nunca solicitou a exclusividade do ensino, mas essa era a exigência da própria sociedade da época, por isso, nem sequer os príncipes medievais intervinham em tal monopólio[14].

Efetivamente, só na modernidade surgem as intervenções tirânicas do Estado na educação. Primeiro, com a Reforma Protestante, que quebrou a unidade espiritual da Europa, começou, segundo foi recomendado por Lutero, a imposição de frequência das crianças à escola. Nesse período, o ensino migrou da Igreja para o Estado. Porém, só depois, no sec. XVIII, por influência da Revolução Francesa, surgiu de fato o monopólio educativo[15].

Tal monopólio se deu com a participação primordial do pensamento iluminista: a educação passou a ser confiada aos poderes políticos. Apesar da propagação das liberdades individuais, surgiu também, mormente no partido jacobino, uma concepção socializante da educação, isto é: ao Estado a exclusividade da educação para propagar os ideais revolucionários. Eis aí o advento do monopólio de raiz ideológica e do sistema do livro único. Dessa sorte, a Revolução Francesa abriu caminho para os Estados totalitários que ainda viriam no século seguinte[16].

Nesse itinerário, Napoleão assumiu ter utilizado a educação como arma política e, no séc. XX, os Estados marxista, fascista e nazista fizeram o mesmo. Hegel, filósofo alemão da passagem do séc. XVIII para o XIX, deu especial contribuição para isso: idealizou o Estado como espírito de ordenação social, sob o qual devem se devem sujeitar a família e a comunidade cívica. Igualmente, Marx e Engels, no séc. XIX, defenderam expressamente o modelo de educação compulsório das crianças nas escolas do Estado. Depois, Gramsci, autor de linha marxista, preconizou a educação como ferramenta estatal de transmissão de normas de comportamento e de ideias[17]. Aqui estão as raízes do dirigismo estatal no âmbito da educação, que foi, curiosamente, prática comum de ideologias aparentemente antitéticas, afinal, servia ao exercício do poder autoritário[18].

Com efeito, o homeschooling surgiu, em primeiro lugar, nos países anglo-saxônicos, exatamente como uma reação das famílias aos desmandos estatais no campo da educação[19].

2.2. Da liberdade de educação à margem do Estado e da tutelada pelo Estado

Quanto aos outros dois modelos – liberdade de educação à margem do Estado e tutelada pelo Estado –, cabem fazer, antes de delineá-los, algumas outras considerações, mas, desta vez, sobre a história dos direitos fundamentais. No contexto das Revoluções liberais do sec. XVIII, tais direitos apareceram como inatos ao indivíduo e aptos a se exercer contra o Estado – direitos negativos. Já entre o sec. XIX e o XX apareceram os direitos fundamentais de segunda dimensão: são os direitos sociais que, diferentemente dos primeiros, dependem de uma prestação estatal – direitos positivos. Estes vieram em razão da fragilidade daqueles, os quais eram proclamados para todos, mas não se concretizavam para todos[20].

A igualdade e a liberdade, enquanto direitos fundamentais, participaram dessa evolução no se refere ao que se entende por uma e por outra. Primeiro, a concepção de igualdade foi a de que a lei vale igualmente para todos; depois, o conceito material de igualdade traduziu-se na máxima de que o igual deve ser tratado de forma igual e o desigual de forma desigual; por fim, numa concepção coetânea dos direitos de segunda dimensão e que prevalece até a atualidade, a igualdade relaciona-se intimamente com a ideia de justiça, isto é: deixa de ser apenas um ponto de partida para ser também um ponto de chegada, um alvo a ser alcançado, uma igualdade de fato. A liberdade seguiu o mesmo caminho: em princípio, era apenas uma liberdade para todos e, agora, é concebida como liberdade de fato, ou seja, pressupõe uma igualdade de ação entre todos[21].

Nessa perspectiva, é possível entender claramente os outros dois modelos educativos. A liberdade de educação à margem do Estado remete a um conceito obsoleto de liberdade: aqui, o Estado reconhece a liberdade de uma forma passiva. Por outro lado, no Estado de direitos fundamentais contemporâneo há uma liberdade de educação defendida pelo Estado, ou seja, este deve ter uma postura ativa para que os titulares dessa liberdade a exerçam de fato, isto é: a partir de uma igualdade de oportunidades de exercê-la[22].

Não obstante as concepções mais atuais de igualdade e de liberdade, há nelas uma clara margem para uma interpretação antiliberal. Trata-se da possibilidade de que, em nome dessa evolução na amplitude dos direitos fundamentais, haja uma promoção dos direitos sociais em detrimento dos direitos de liberdade: defender uma igualdade ou liberdade de fato que, na verdade, suprima as liberdades individuais.

Nesse contexto, Jorge Miranda ensina que é preciso buscar uma “liberdade igual para todos”, todavia, não se trata de uma igualdade separada da liberdade, mas de uma igualdade segundo um “regime de liberdade”[23]; em seguida, afirma, para os que defendem a felicidade como princípio diretor do Estado Social, que o direito de buscar a felicidade surgiu primeiro em uma declaração de direitos de linha liberal – Declaração de Direitos de Virgínia –, mas que “há que recordar a prática dos regimes totalitários visando identificar a felicidade de indivíduos com as suas próprias convicções ideológicas”[24].

O Estado de direitos fundamentais, portanto, tutela a igualdade e a liberdade dos indivíduos segundo as concepções modernas desses direitos, mas respeitando o núcleo essencial tanto da liberdade como da igualdade. Com efeito, o advento da igualdade de fato não suprimiu a igualdade jurídica; em relação à liberdade, o mesmo. Isso porque tais direitos, na evolução histórica aqui descrita, não se sucederam, mas sobrepuseram-se[25], quer dizer: nas várias gerações ou dimensões de direitos fundamentais, não há categorias de direitos que substituem as anteriores, pelo contrário, há, entre as fases, “interpretação mútua” e “concordância prática”[26].

Nesse cenário, a interpretação equivocada que conclui por uma igualdade sem liberdade, ou que defende o direto à busca da felicidade numa perspectiva não pluralista, que, na verdade, está a serviço de uma homogeneização ideológica dos indivíduos, ocorre também no âmbito da educação. Como visto, a educação sem a tutela do Estado não tem lugar na concepção moderna dos direitos fundamentais, entretanto, essa participação estatal na educação não pode suprimir as liberdades individuais; não pode prescindir de um sistema educacional pluralista ou impor um modelo educacional coercitivo para, supostamente, servir ao bem-estar de todos.

Note-se que foi apontado neste artigo uma escala de adequação dos modelos educacionais com a evolução dos direitos fundamentais: o modelo mais prejudicial é, sem dúvida, o monopólio estatal da educação; depois, o descaso do Estado com a educação; e ideal é a tutela da educação pelo Estado para que todos tenham, igualmente, liberdade de escolher a educação mais apropriada. Todavia, a distorção exegética aqui apontada, que acarreta na supressão dessa liberdade, leva, num instante, do modelo mais moderno ao mais antiquado, aquele em que não só o Estado não garante a liberdade de todos, mas a dizima.

Na contemporaneidade, no que diz respeito estritamente ao homeschooling, situação que parece amoldar-se perfeitamente à distorção exegética aqui apontada ocorreu na Alemanha, num julgamento do Tribunal Constitucional alemão sobre a educação domiciliar[27]. Decidiu a justiça constitucional alemã, em sede de uma queixa constitucional ajuizada por família que realizava a prática, pela constitucionalidade da escolaridade obrigatória das crianças sob pena de prisão dos pais. Na decisão, o Tribunal alemão fez constar que é de interesse público que não haja “sociedades paralelas” religiosa ou ideologicamente motivadas. Ora, claramente, aproxima-se dos ideais de monopólio educativo supracitados: política de utilização da educação para enfretamento das ideias contrárias às do Estado, refutação do pluralismo e utilização da educação escolar forçada como ferramenta uniformizadora do pensamento dos indivíduos.

Com efeito, esse julgado alemão tem sido devotamente utilizado pelos defensores da inconstitucionalidade do homeschooling, ou, ainda, pelos que defendem a ausência de primazia dos pais sobre a educação dos filhos. No entanto, no direito comparado, pelos menos no que se refere ao mundo ocidental – onde os países estão, em geral, comprometidos com a garantia dos direitos fundamentais –, há muito mais exemplos de países que reconhecem a liberdade das famílias de educar os filhos em casa – como se delineará mais à frente.

Por ora, a título de exemplo, é de se ressaltar que o Ministro Luís Roberto Barroso – Relator do julgamento ora estudado –, delineou duas clássicas decisões da Supreme Court americana sobre o tema: em Pierce v. Society of Sisters, decidiu-se, com amparo na liberdade dos pais de escolher o melhor modelo educativo para os filhos e pela inconstitucionalidade de uma lei do Estado de Oregon que previa a matrícula obrigatória em escolas de todos os indivíduos entre oito e dezesseis anos; e, em Wisconsin v. Yoder, decidiu-se, com base na liberdade religiosa, pela liberdade das famílias de não matricularem seus filhos em escolas da rede regular de ensino[28].

3. Da inconstitucionalidade por omissão

3.1. Da inconstitucionalidade por omissão na fiscalização difusa e na concentrada de constitucionalidade

No Brasil, a inconstitucionalidade por omissão é aferida na fiscalização de constitucionalidade difusa concreta e na concentrada abstrata – modelo misto de fiscalização. Aquela é difusa porque é realizada pelos vários órgãos da justiça do país, desde os juízes singulares de primeira instância até o STF; é concreta porque é feita em casos concretos e as decisões prolatadas nessa seara têm, em regra, efeito entre as partes – inter partes – demandantes, apenas. A outra é concentrada porquanto é realizada por um único órgão, o Tribunal Constitucional do país – no Brasil, o STF; e é abstrata porque é realizada em processo objetivo, no qual não há partes e, além disso, as decisões têm efeito vinculante em relação aos demais órgãos judiciários e administrativos, além de eficácia contra todos – erga omnes[29].[30]

A fiscalização de constitucionalidade das leis é comumente feita por ação, ou seja, uma lei ou um ato normativo existente no ordenamento jurídico é analisado em face da Constituição. Porém, menos frequentemente há a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão. Esta existe em dois cenários: i) ausência de uma lei sem a qual um direito fundamental constitucional não exequível por si próprio fica inócuo – omissão total ou absoluta; ii) ou ausência de inclusão de categoria de sujeitos em determinada legislação que lá deveriam estar em face do princípio da igualdade – omissão parcial ou relativa[31].

No ordenamento brasileiro, há dois instrumentos específicos para a correção desse tipo de inconstitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), que ocorre em sede de controle concentrado abstrato; e o mandado de injunção, que se realiza em controle difuso concreto e integra um seleto grupo de instrumentos do ordenamento jurídico brasileiro – remédios constitucionais – para garantia de direitos fundamentais[32].

Não obstante, cabem, desde já, duas observações importantes. Primeiro: pode ser conferida ao mandado de injunção eficácia ultra partes ou erga omnes, “quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração”[33]. Depois: em sede de fiscalização difusa concreta, a inconstitucionalidade por omissão pode ser corrigida fora do âmbito do mandado de injunção, ou seja, em qualquer demanda ordinária onde seja identificada. O STF, inclusive, quando julgou a educação domiciliar (caso em tela), o fez em sede de recurso extraordinário em mandado de segurança, isto é: fora da seara dos dois instrumentos próprios para o julgamento de inconstitucionalidades por omissão. De mais a mais, no Brasil, tribunais comuns têm julgado omissões inconstitucionais com alguma frequência (controle difuso) com base na autoaplicabilidade dos direitos fundamentais, especialmente no que tange ao direito à saúde[34].

Contudo, diferentemente dos instrumentos específicos para tanto (mandado de injunção e ADO), nas outras demandas (fiscalização difusa em geral), como observa Carlos Blanco de Morais, cabe aos juízes exercer sua função habitual de não aplicar normas inconstitucionais ou de resolver um caso de omissão inconstitucional parcial, apenas. Conseguintemente, a omissão inconstitucional total deve ser resolvida dentro do âmbito dos referidos instrumentos próprios. Isso porque, ensina o constitucionalista português, a omissão total “depende de um parâmetro temporal de conteúdo indeterminado (a emissão de uma lei em tempo razoável”)”, mas, por outro lado, a omissão parcial “depende, em regra, de qualquer exigência de temporalidade e o vazio normativo pode ser reparável de imediato, caso haja impugnação contenciosa”[35].

No caso investigado neste artigo, no qual se julgou a existência, ou não, de omissão inconstitucional, em sede de controle difuso e fora do âmbito dos instrumentos adequados, estava em causa uma omissão parcial, afinal, o direito fundamental à educação previsto na Carta Magna não está pendente de regulamentação por lei ordinária, mas o homeschooling não foi abrangido.

Como já referido, a omissão parcial é gerada pela não observação do princípio da igualdade. Trata-se efetivamente de lacuna axiológica inconstitucional. Lacunas não se confundem com os silêncios propositais do ordenamento jurídico. Em vez disso, são espaços vazios contrários ao sistema normativo; são falhas que precisam ser integradas pelo julgador – não segundo seu arbítrio, mas em face do sistema constitucional[36]. Assim, a omissão inconstitucional não se trata de um silêncio que esteja no âmbito de conformação do legislador ordinário, mas de um espaço vazio contrário à ordem constitucional.

Em resumo: o problema da omissão inconstitucional poder ser resolvido em sede de controle abstrato ou concreto de constitucionalidade. A omissão total, por sua vez, só pode ser solucionada por meio da ADO ou do mandado de injunção. Isso implica que a omissão parcial, que na verdade é resolúvel por meio da integração de uma lacuna axiológica – que não se confunde com silêncio proposital do legislador – a ser realizada pelo Poder Judiciário, é a única que pode ser sanada em sede de controle difuso e fora dos instrumentos citados – exatamente como foi no caso em tela.

3.2. Das sentenças de efeitos aditivos e do ativismo judicial do STF

A ADO está prevista no artigo 103 da Constituição. O §2º desse dispositivo dispõe que: “Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”[37]. A legislação infraconstitucional regulamentadora da ADO traz a mesma redação[38].

O mandado de injunção, por sua vez, está no art. 5º, inciso LXXI, da Carta Magna: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”[39]. A Lei federal ordinária n.º 13.300/16, que trata dos mandados de injunção individual e coletivo, traz mais dados importantes: tais instrumentos são cabíveis diante de omissões totais ou parciais da norma; nessas demandas, além de determinar prazo razoável ao legislador – como na ADO –, é possível ao julgador, ainda, “estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado”[40].

Essas diferenças remetem à possibilidade de estabelecimento, ou não, de efeitos aditivos pela justiça constitucional – difusa ou concentrada. Sobre as sentenças com tais efeitos, esclarece Gilmar Mendes que são, na verdade, decisões manipulativas; estas podem ter efeitos aditivos: ocorre, em regra, quando o vício da norma está no que ela omite e não no que ela expressa e, por isso, o julgador amplia o âmbito de incidência normativo com amparo na isonomia; ou podem ter efeitos substitutivos, quando, pelo contrário, a previsão normativa é viciada por incompatibilidade com a Lei Maior e, diante disso, o julgador substitui a parte maculada da norma por outra consonante com a Constituição[41].

Com efeito, as decisões manipulativas de efeitos aditivos são possíveis às omissões parciais, mas não às absolutas, pois estas dependem, como já referido, da edição de uma lei pelo legislador, em tempo razoável, com conteúdo indeterminado. Portanto, ao Judiciário, nas hipóteses de omissões totais, cabe a apenas a possibilidade de apelar ao legislador, mas não a fixação de efeitos aditivos[42].

De mais a mais, em sede de ADO, como está expresso nos dispositivos constitucionais anteriormente mencionados, também não pode haver decisões de efeitos aditivos, afinal, está-se no âmbito de fiscalização meramente abstrata em que não se pleiteia um direito subjetivo concreto. Não faz sentido, numa análise abstrata da constitucionalidade, haver concretização de direitos, sob pena de ativismo judicial por meio de um “paralelismo forçado com o processo de integração de uma lacuna técnica”[43].

Em resumo: Não são cabíveis os referidos efeitos aditivos para a ADO ou para qualquer outra demanda que envolva uma omissão total (absoluta), mas, no máximo, apelo a legislador, sob pena do citado paralelismo forçado com os casos de integração de lacuna, próprios das omissões parciais (relativas).

Nada obstante o exposto, o STF, que tem atuado com uma postura reconhecidamente – e questionável – ativista, não tem respeitado esses limites.

Apenas a título de contextualização, cabe mencionar algumas evidências de que o ativismo do Supremo não é pontual: a Suprema Corte tem decidido, repise-se, em prol da abstrativização das demandas levadas ao tribunal: os processos subjetivos são tratados como objetivos – aqueles em que não há partes – no sentido de terem decisões com efeitos vinculantes e eficácia erga omnes[44], mesmo sendo a vinculatividade e a referida eficácia previstas expressamente pela Carta Magna para as decisões exaradas em fiscalização abstrata de constitucionalidade[45].

Também nessa linha, o STF tem estendido a modulação dos efeitos temporais de suas decisões, instrumento próprio da fiscalização abstrata[46], à fiscalização concreta[47], o que motivou, depois, a inovação no novo código de processo civil brasileiro, de 2015, que trouxe a modulação de efeitos temporais para os processos subjetivos[48], consolidando o que já vinha sendo decidido pela Corte Suprema.

Isso para demonstrar que o Supremo tem atuado progressivamente em favor de um alargamento de seus poderes. Nas demandas em que estão em causa omissões inconstitucionais, igualmente. Não é por outro motivo que Luís Roberto Barroso, em obra publicada em Portugal, esclareceu que o STF, em que pese a diferente natureza dos institutos da ADO e do mandado de injunção, equiparou-os em sua jurisprudência[49].

De fato, tem sido assim, senão vejamos. O caso clássico é o do mandado de injunção no qual o STF entendeu haver omissão inconstitucional na não regulamentação – pelo Poder Legislativo – da greve dos servidores públicos e, por meio de sentença aditiva, estendeu as regras do setor privado para o setor público[50].

Em que pese a aparência de que a resolução do julgado se amparou no princípio da isonomia, não foi assim. Na verdade, não houve impugnação da lei de greve dos trabalhadores privados com base no princípio da igualdade, como seria num caso de omissão parcial. Isso porque as greves nos setores público e privado têm diferenças substanciais como, por exemplo, o regime jurídico dos trabalhadores e a natureza do serviço prestado. Por conseguinte, nesse caso, o STF decidiu um caso de omissão total por meio de uma decisão aditiva que não só aplicou aos servidores públicos a lei destinada aos trabalhadores privados como, ainda, fez alterações legislativas para adaptá-la[51].

Mais recentemente, em 2018, o STF fez mais: na ADO em que se discutia a criminalização da homofobia, também decidiu utilizando-se de efeitos aditivos, ou seja, concretizando direitos. É certo que nesse caso estava sendo julgado simultaneamente um mandado de injunção de mesmo objeto, mas o Tribunal fez constar os efeitos aditivos na parte dispositiva de ambas as demandas. Com amparo no princípio da igualdade, a decisão foi no sentido de estender a previsão dos tipos penais da lei de racismo às condutas discriminatórias por orientação sexual ou identidade de gênero[52].

Nesse julgado, o Tribunal entendeu que os órgãos legiferantes estavam em mora pois havia um mandado constitucional de criminalização das referidas condutas. Aqui, algo mais questionável do que a concretização de direitos em processo objetivo denuncia o ativismo judicial do Supremo: a ampliação de um tipo penal pela justiça constitucional. Ora, desde a Revolução francesa, a competência exclusiva do legislador – por lei em sentido estrito – para criminalizar condutas é corolário do direito penal, pois, como ensina Paulo Queiroz, é nesse âmbito que estão as restrições mais sensíveis da liberdade, tão caro bem constitucional[53].

Não se quer, neste artigo, valorar positiva ou negativamente a postura ativista do STF. Todavia, é certo que ela causa uma tensão com o princípio da separação de Poderes, sem o qual não há que falar em Estado de Direito[54]. De outro lado, é oportuno indicar as raízes desse ativismo, fenômeno tão intimamente ligado com a fiscalização da constitucionalidade por omissão.

Efetivamente, uma das razões plausíveis para tal postura é a de que a Corte brasileira tem considerado, a ferro e fogo, o papel salvífico do neoconstitucionalismo e, por consequência, da aplicação arbitrária de princípios pela justiça constitucional.

Sobre o tema, Ricardo Branco, ao examinar as análises constitucionais do alemão Rudolf Wassermann, apresenta a Constituição como reguladora de toda a vida social, com um alcance sobre todo o ordenamento infraconstitucional, com força de aplicabilidade direta de suas normas, com influência sobre toda atividade interpretativa da justiça e com valores que se irradiam por toda a operação e aplicação do Direito[55]. Essa é, verdadeiramente, uma síntese do papel salvífico supracitado. De fato, a aplicabilidade direta está acorde com os últimos patamares evolutivos dos direitos fundamentais, notadamente num contexto pós-Segunda Guerra, todavia, há algumas ressalvas a serem feitas ao que se concebe por neoconstitucionalismo.

Carlos Blanco de Morais aponta que neoconstitucionalismo é uma onda ideológica pós-positivista, na qual há um império dos princípios constitucionais que são utilizados sem qualquer método – ou com qualquer um – pelo Poder Judiciário, causando uma ameaça concreta à separação de Poderes e ao Estado de Direito. Tal fenômeno prenuncia um reencontro com a ética a partir de uma releitura axiológica do Direito. Isso, de acordo com valores constitucionais vagos que dão grande margem de discricionariedade aos juízes em detrimento de grave supressão da margem de conformação do Poder Legislativo[56].

Nesse quadro nebuloso da postura ativista do STF, uma pesquisa acadêmica chama atenção: a Faculdade de Direito da Universidade de Brasília constatou que o Tribunal Constitucional brasileiro, quando atua em sede de controle abstrato de constitucionalidade, tem usado métodos flexibilizadores de seu papel institucional – como já apontado neste artigo –, mas, estranhamente, tem servido, estatisticamente, mais a interesses corporativos e políticos das figuras legítimas para a proposição de processos objetivos do que defendido e garantido os direitos fundamentais[57].

O ativismo judicial pelo STF no patamar que se indica neste artigo é um fato. No entanto, se é positivo ou necessário para a concretização dos direitos fundamentais, ou, ainda, se está apenas a facilitar arbitrariedades ou pautas ideológicas, é análise que escapa aos limites desde paper. Entretanto, passar pelos temas analisados neste capítulo é essencial para responder se a justiça constitucional brasileira deu, ou não, a resposta adequada ao homeschooling segundo a Constituição.

De fato, a justiça constitucional, na fiscalização de constitucionalidade das normas, atua essencialmente como legislador negativo, isto é: afastando do ordenamento jurídico as normas infraconstitucionais incompatíveis com a Constituição. Todavia, quando concretiza direitos ou se prolata decisões manipulativas, o STF está a atuar como legislador positivo, o que está fora de seu papel institucional e, portanto, é medida excepcional. O que se conclui, por ora, é que o STF tem ido longe na sua atuação, alargando-a cada vez mais e comportando-se como legislador positivo. Todavia, no caso ora em análise, em descompasso com o que se demonstrou até aqui, o Tribunal, enigmaticamente, conteve-se e amarrou a prática da educação domiciliar à vontade legislativa.

4. Homeschooling: direito social ou direito de liberdade?

4.1. Da relação entre omissão inconstitucional, direitos sociais e direito subjetivo público

No julgado da educação domiciliar no Brasil, o Tribunal utilizou como matéria-prima especialmente dois conceitos: omissão inconstitucional e direito subjetivo público. Ocorre que tais conceitos vêm geralmente associados à aplicação dos direitos sociais pela justiça, razão pela qual retoma-se – agora com outro foco – a análise desses direitos tidos como de segunda dimensão.

Os direitos sociais, como já referido, surgem numa aura de garantia da igualdade; são tidos por direitos positivos ou prestacionais – dependem de prestação estatal. Acrescente-se que, como já esclarecido anteriormente, os direitos prestacionais só se justificam se forem, antes, inseridos em um regime de liberdade: não há que falar em igualdade sem liberdade.

Gilmar Mendes trata dos direitos sociais como direitos a prestações materiais. Todavia, elucida que nesse domínio há diferentes graus de densidade normativa dos direitos. Ao contrário dos direitos sociais de baixa densidade normativa, os de alta densidade normativa são aplicáveis independentemente da vontade do legislador. E completa o autor: “O direito subjetivo pressupõe que as prestações materiais já hajam sido precisadas e delimitadas – tarefa própria de órgão político, e não judicial.”[58].

Carlos Blanco de Morais[59], por sua vez, explica que, na Constituição brasileira, há direitos sociais dispostos em normas preceptivas e exequíveis por si próprias – exemplo da duração mínima da carga horária do artigo normal ou da proibição indiscriminada de diferentes salários –, outros dispostos em normas preceptivas não exequíveis por si próprias – exemplo do direito à assistência social – e normas de direitos sociais verdadeiramente programáticas, que apenas estipulam fins a serem alcançados pelo Estado – exemplo da erradicação da pobreza.

Com efeito, esclarece o autor português que as normas de direitos sociais preceptivas, ainda que não exequíveis por si sós – condicionadas à existência de uma lei regulamentadora –, são direitos subjetivos públicos; podem ser concretizadas, isto é: sua aplicação imediata pode ser garantida pela justiça desde que se identifique uma omissão inconstitucional. As últimas, programáticas, de outra forma, não só não são exequíveis por si mesmas como, por não serem preceptivas, configuram apenas uma pretensão objetiva, mas não um direito subjetivo público, quer dizer: não podem ser concretizadas senão por opção política dos órgãos legiferantes. Portanto, a justiça, num juízo de omissão inconstitucional, não pode prolatar uma sentença de efeitos aditivos para garantir um direito social constante de norma constitucional programática – à exceção da tese do mínimo de efetividade[60].

Eis a relação estreita que há entre o juízo de omissão inconstitucional, direitos sociais e direitos subjetivos públicos: i) a autoaplicabilidade dos direitos fundamentais – prescinde de outras ações legislativas além da previsão constitucional – é uma conquista na evolução histórica de tais direitos[61], entretanto, há normas de direito social que não podem ser concretizadas pelo Estado-juiz sob pena de violação grave da separação de Poderes; ii) o Poder Judiciário, nomeadamente a justiça constitucional, ao fazer um juízo de omissão inconstitucional, pode concretizar os direitos sociais desde que eles configurem direitos subjetivos públicos.

4.2. Da educação domiciliar como liberdade fundamental

O caso homeschooling, que, inclusive, gerou imensa controvérsia no plenário do STF – levando a quatro votos em sentidos diferentes – foi, pela maioria do Tribunal, julgado no sentido de que a referida prática não configura um direito subjetivo público e, conseguintemente, é o Estado-legislador que deve optar, de acordo com as conveniências políticas, pela institucionalização, ou não, da educação domiciliar. Portanto, eis a pergunta que se espera que seja feita num artigo acadêmico que analise esse julgado: a educação domiciliar é, ou não, direito subjetivo público?

Ora, em princípio, está-se na seara do direito fundamental à educação, direito que, segundo o que diz expressamente a Constituição[62], é social – positivo, de prestação. Além disso, o direito a educação é verdadeiramente uma norma programática[63]. Todavia, o STF tem adotado a teoria do grau mínimo de efetividade dos direitos a prestação material: pelo o que vem decidindo o Tribunal, mesmo normas programáticas, quanto a essa efetividade mínima, revertem-se – desde que delimitadas – em direitos subjetivos públicos em prol de seus titulares. Dessa sorte, fundamentando-se no grau mínimo do direito à educação, o STF afirmou ser um direito subjetivo público o acesso de crianças nas pré-escolas e creches[64].

Portanto, no que concerne ao direito social à educação, é válida a discussão sobre até que ponto tal direito pode depender de uma concretização legislativa; ou até onde pode ser concretizado pelo Poder Judiciário; ou se se trata, ou não, de direito subjetivo público. A discussão é válida por causa do espaço cinzento em que se encontram os direitos sociais e a possibilidade de sua concretização pela justiça, inclusivamente por meio de um juízo de omissão inconstitucional.

Porém, a educação domiciliar está, na verdade, situada fora desse âmbito de discussão. Isso porque não se trata de um direito social (!). Com efeito, esclareça-se que os direitos fundamentais, tanto os sociais como os de liberdade, constituem uma unidade dentro do sistema constitucional. Todavia, é certo que aqueles são essencialmente positivos apesar de implicarem também posições jurídicas negativas; já estes, os de liberdade, são essencialmente negativos apesar de terem também vertentes positivas. Noutras palavras: em que pese o fato de que as ambas as categorias de direitos tenham posições jurídicas – ou vertentes – de abstenção ou de prestação estatal, o núcleo de uma ou outra constitui-se substancialmente de uma das duas vertentes, ou positiva ou negativa[65].

Com o direito à educação não é diferente: substancialmente é um direito social, mas tem vertentes que são verdadeiras liberdades fundamentais, entre elas, o direito ao homeschooling, que está essencialmente na liberdade de ensinar. De fato, tal liberdade, numa exegese das Constituições do mundo ocidental, que trazem expressamente os direitos fundamentais – inflados pela sua evolução histórica –, é facilmente extraída do direito – à partida, de prestação – à educação. Não obstante isso, as Constituições de Portugal e Brasil trazem expressamente, num artigo em separado, a liberdade de ensinar[66], a qual, diferentemente do direito à educação propriamente dito, é, em sua substância, um direito de primeira dimensão, uma liberdade[67].

Com isso, chega-se à conclusão incontornável de que a discussão no STF, inaugurada pelo Ministro Redator Alexandre de Moraes, que trouxe à questão da constitucionalidade do homeschooling a existência ou não de um direito subjetivo público, foi equivocada e inócua. Sim, as liberdades fundamentais são direitos subjetivos públicos, os quais, conceitualmente, são pretensões jurídicas decorrentes das condições juridicamente relevantes que surgem da relação indivíduo-Estado[68]; a questão, no entanto, é que os direitos de liberdade configuram sempre direitos subjetivos públicos – ainda que eventualmente sejam preteridos numa ponderação de direitos –, pois, como aclara Jorge Miranda, os direitos de liberdade têm mais “densidade constitucional” do que os direitos sociais; e, ainda, “a margem de decisão do legislador frente aos direitos de liberdade se oferece mais restrita do que perante os direitos sociais”[69]. Isso não é o mesmo que dizer que os direitos de primeira dimensão valem mais. Porém, quer-se com isso afirmar que os direitos de liberdade são mais concretizáveis[70].

A natureza de liberdade constitucional da educação domiciliar foi, na verdade, reconhecida no próprio voto vencedor do Ministro Alexandre de Moraes; lá consta que, com base na Constituição brasileira, é possível o homeschooling utilitarista. Nesse ponto, o julgador reconheceu, de certa forma, que a Constituição libera a prática da educação domiciliar. Ocorreu, todavia, que a discussão declinou para uma seara pouco familiar à discussão da existência, ou não, de tal liberdade.

Tanto foi assim que, após o voto do Ministro Alexandre, Redator do acórdão, tomou a palavra o Ministro Relator, que já havia votado, e salientou: “Eu concordo com Sua Excelência que a existência de uma regulamentação legal viria bem e ajudaria a suprir demandas específicas de monitoramento desse tipo de ensino, mas, se a Constituição não veda e é um direito, condicioná-lo à vontade discricionária do legislador me parece que é frustrar uma possibilidade constitucional, amarrando-a à uma vontade legislativa.”[71].

De fato, é assim: as liberdades fundamentais, na esteira do que se tem por mais atual na interpretação dos direitos fundamentais, não podem depender da discricionariedade do legislador.

A justiça constitucional, como visto, pode, na fiscalização de inconstitucionalidade que identifica uma omissão inconstitucional, concretizar direitos diante da mora legislativa a depender do caso. Nessa seara, geralmente são discutidos direitos sociais, de prestação estatal. No entanto, no caso ora em investigação, discutiu-se acerca de uma suposta omissão inconstitucional gerada em razão da não regulação de uma liberdade constitucional. Por isso, o STF, acostumado a utilizar o conceito de direito subjetivo público para separar os direitos sociais que são passíveis de concretização dos que não são – seja pela separação de normas preceptivas de programáticas ou de necessidade de garantir efetividade mínima –, falhou em levantar essa discussão perante uma liberdade fundamental prevista na Lei Maior.

5. Do Homeschooling no Brasil

5.1. Do quadro jurídico da educação no Brasil

É possível que, nesta altura, ainda restem dúvidas sobre a afirmação feita logo acima, a de que o homeschooling é, segundo o quadro constitucional brasileiro, um direito de liberdade. Por isso, faz-se necessário percorrer os dispositivos constitucionais – e infraconstitucionais – que tratam do tema.

Antes, porém, entendamos o regime jurídico da educação no Brasil. A educação, assim como o direito social à saúde, deve ser prestada pelo Estado; é obrigação do Estado prestar esse serviço público. No entanto, tais direitos sociais não são de prestação privativa ou exclusiva do Estado, pelo contrário, são livres à inciativa privada, que, quando os realiza, fica sujeita à fiscalização do poder de polícia administrativa. É justo que seja assim – a educação livre aos particulares –, afinal, como já suficientemente referido na análise histórico-jurídica, o monopólio educativo – que é um risco considerável se a educação está dominada pelo Estado – anda na contramão dos direitos fundamentais.

A educação é efetivamente um direito de todos e deve ser oferecida aos cidadãos num regime de liberdade, pluralismo e neutralidade do Estado[72]. A neutralidade impõe-se no campo das preferências políticas, ideológicas e religiosas e é medida de rigor quando a educação está a ser oferecida por serviço público. Diferentemente, quando se trata de serviço prestado pelos particulares, são possíveis as referidas preferências, mas desde que sejam observadas as demais normas do ordenamento jurídico e, caso se trate de escola privada, que haja transparência[73] para com os pais dos alunos[74].

No Brasil, o ensino fundamental – básico – é obrigatório[75], ou seja, o Estado deve zelar para que todas as crianças e adolescentes o façam; o ensino médio é universal[76]: o Estado deve oferecê-lo a todos que o procurarem; já o ensino superior deve ser oferecido pelo Estado segundo a capacidade de cada um[77], isto é: não há obrigação estatal de oferecê-lo a todos os interessados[78].

O ensino obrigatório está previsto da seguinte maneira, in verbis: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;”. A literalidade de tal norma constitucional, por referir-se a dever estatal, pode levar à interpretação equivocada de que, nessa fase, o ensino é reservado ao Estado, apenas. Todavia, já se viu que não é assim. Ao invés disso, a educação é livre à iniciativa privada observado o “cumprimento das normas gerais da educação nacional” e “autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”[79].

Se fosse diferente, as crianças seriam obrigadas a receber educação do Estado, mas, ao invés disso, o constituinte brasileiro não editou normas características dos sistemas totalitários – violadores incorrigíveis dos direitos fundamentais, como já referido em capítulo anterior. Portanto, também as normas infraconstitucionais, sejam quais forem, que tratem de ensino obrigatório ou de matrícula obrigatória, não podem ser interpretadas em favor do monopólio escolar – e até educativo – do Estado, sob pena de incorrer em exegese inconstitucional.

Ora, se o ensino obrigatório previsto na Constituição não significa monopólio escolar estatal, mas, pelo contrário, ele ainda permanece livre à inciativa privada, o homeschooling, que é espécie legítima de ensino por iniciativa privada, também não está excluído e, consequentemente, uma lei infraconstitucional também não pode tolher tal liberdade fundamental de modo a prever monopólio escolar, sob pena de inconstitucionalidade; igualmente, se não regulamenta essa liberdade – a da educação domiciliar –, de modo a impedir que ela seja exercida, incorre em omissão inconstitucional.

5.2. Da solidariedade entre Estado, família e sociedade no âmbito da educação

Não obstante o citado equívoco – de que a iniciativa privada está excluída em face da previsão do ensino básico obrigatório –, há outros ainda mais graves, como o que chegou a Suprema Corte brasileira, qual seja, o de que Estado e família estão em patamar de igualdade no que diz respeito à educação dos filhos; e de que há solidariedade entre um e outro – e, ainda, da sociedade – na educação desses indivíduos em idade escolar, mas não há primazia da família sobre o Estado e vice-versa[80].

É verdade que a Constituição brasileira prevê a solidariedade: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o artigo.”[81]; e, ainda: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”[82].

Isso quer dizer que não só a família, mas também o Estado – e em certo sentido a sociedade – não pode se esquivar de garantir a educação, pois é seu dever. No que se refere ao ensino básico e médio é, inclusive, obrigação do Estado fazê-lo em relação a todos – nos termos acima referidos. Todavia isso não significa, repise-se, que a inciativa privada – inclusivamente o homeschooling – está excluída. Ora, é cediço que mesmo quanto à educação básica, a família pode escolher uma escola com diretrizes mais alinhadas com o seu senso moral, por exemplo. Ao Estado cabe, ainda assim, fiscalizar, cuidar para que os particulares não cometam quaisquer ilícitos ao exercer a atividade da educação e, também, para que que sejam observados os “conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”[83].

Entretanto, nada indica que a Constituição colocou Estado e família – e muito menos à sociedade – em pé de igualdade no que tange ao tipo ou ao modelo de educação a ser dada às crianças e adolescentes em idade escolar. Veja-se que, no voto vencedor do acórdão ora estudado – na esteira da argumentação de que a Constituição proíbe a educação domiciliar pura – alegou-se justamente isso: que a família não tem primazia sobre o Estado na educação dos filhos. Nessa mesma linha, Marcos Augusto Maliska, em comentários à Constituição do Brasil reconhece que o direito dos pais sobre a educação de seus próprios filhos vem diminuindo em detrimento de um aumento dos poderes do Estado[84]. No julgamento da educação domiciliar, esse estranho fenômeno, apesar de absurdamente inconstitucional, foi validado – expressamente – pelo STF.

Tal insensatez é pobre de fundamentação constitucional por muito: “Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.”[85], diz o Pacto de San José da Costa Rica. Igualmente, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: “Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, dos tutores legais de escolher para seus filhos escolas distintas daquelas criadas pelas autoridades públicas, sempre que atendam aos padrões mínimos de ensino prescritos ou aprovados pelo Estado, e de fazer com que seus filhos venham a receber educação religiosa ou moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”[86]. Os dois diplomas internacionais referidos foram promulgados no Brasil e trazem importantes normas de direitos fundamentais – os dois dispositivos referidos trazem um direito liberdade, ou seja, direito subjetivo público dos pais, autoaplicável, e têm natureza supralegal[87].

As normas acima colacionadas não deixam dúvidas quanto à primazia dos pais sobre a educação dos filhos, nomeadamente na vertente moral e religiosa, o que é mais conveniente, em primeiro lugar, pelo homeschooling e, em segundo, pela escolha de uma escola privada adequada a esses valores da família. Só por último, mas não menos importante, esse direito – dos pais sobre a educação dos filhos – deve ser garantido também no ensino oferecido por serviço público, afinal, o Estado, justamente em face da sua neutralidade, não pode, salvo pela vontade expressa dos pais, dirigir a educação segundo uma ou outra vertente moral ou religiosa.

Com efeito, o Estado deve garantir os direitos da instituição família e, precisamente por esse motivo, deve oferecer às famílias os meios, inclusive educacionais, para que elas se autodeterminem e, por óbvio, se é assim, não pode, sob o pretexto de propiciar esses meios, agir coercitivamente em relação a elas – ou contra elas sobrepondo-se –, mormente no que diz respeito à educação dos filhos.

Portanto, no que se refere à dita solidariedade, na linha do que está literalmente previsto na Carta Magna, há um dever solidário entre Estado, família e sociedade para com a educação dos filhos. Esse dever não se confunde, todavia, com o direito unicamente das famílias sobre a educação de seus filhos: é da família tal primazia.

5.3. Da efetivação dos direitos sociais como instrumento retórico para supressão da liberdade constitucional do homeschooling

Um entendimento em sentido oposto, como o que teve o STF, vai contra ao que foi dito anteriormente sobre os direitos sociais aplicados fora de um regime de liberdade. Como se viu, as dimensões de direitos fundamentais não anulam umas às outras: o direito à educação enquanto direito social não revoga a liberdade de ensinar dos pais e o seu direito sobre a educação dos filhos, que são liberdades constitucionais expressas e que já existiam, como delineado em capítulo anterior, muito antes da existência das escolas.

Efetivamente, cabe à justiça constitucional garantir uma liberdade de fato e não apenas jurídica, como se esclareceu alhures. Nesse sentido, num modelo de ensino privado como é a educação domiciliar, não se pode excluir o Estado, todavia, tal papel estatal não é de apropriar-se desse direito ou de retirá-lo das famílias em nome de sua necessária participação no processo educacional ou, pior, em nome da necessária participação da sociedade.

Seguindo esse itinerário, há vários argumentos, inclusivamente os utilizados pela Suprema Corte brasileira, que, sob o pretexto de dar atenção ao pluralismo, promoção da cidadania, emancipação das crianças e adolescentes e sua proteção integral ou sua socialização, na verdade, fulminam a liberdade de ensinar no que concerne ao direito dos pais sobre a educação dos filhos. Essa linha trilhada pelo Tribunal brasileiro culmina na seguinte conclusão inconstitucional: cabe ao Estado, e não às famílias, decidir sobre a melhor forma de educar os filhos em prol de sua emancipação, de seu desenvolvimento como pessoa, ou, mais grave que isso: sobre qual o modo mais adequado de socializar os filhos – perspectiva curiosamente jacobina, como foi mencionado no capítulo de análise histórica.

Ressalvem-se aqui as hipóteses de abuso de direito; os pais não podem abusar da liberdade de educar os filhos negando, por exemplo, a educação formal, o que é constitucionalmente proibido. Porém, o abuso de direito é conceito incontroverso: são, por exemplo, juridicamente desautorizados o abuso da liberdade de expressão e da de locomoção, mas não é por isso que o Estado pode delimitar o que as pessoas podem dizer ou expressar, muito menos para onde elas podem ir, afinal, há mecanismos estatais para coibir essas ilegalidades. Igualmente, no que tange à liberdade de ensinar das famílias: não é porque existe o risco de alguns pais não educarem seus filhos que a liberdade de os educar em casa deva ser suprimida.

Portanto, assiste razão ao voto vencedor na parte que toca à proibição, pela Carta Magna brasileira, do unschooling radical e do moderado, que remetem à proibição e à esquiva, por parte do Estado, do sistema de ensino escolarizado. Não obstante, completa o Ministro Alexandre Moraes que também há proibição do homeschooling puro, que remete a ausência total de participação estatal; aqui há parcial razão: de fato não se pode impedir o Estado de fiscalizar a prática – especialmente para prevenir e remediar eventuais abusos de direito –, contudo, não há falar, como afirmou-se no voto, em inexistência de primazia da família em relação ao Estado e à sociedade sobre a educação dos próprios filhos.

Com efeito, o auge da igualdade interpretada como verdadeira substituta das liberdades encontra-se no voto do Ministro Fux, que ressaltou a importante função socializadora das escolas; exaltou o papel das escolas de difundir a igualdade de gênero; condenou o fato de o homeschooling, em geral, favorecer uma educação religiosa prosélita – o que demonstra o caráter laicista, e não laico, do voto[88] –; e, surpreendentemente, sustentou que a prática desse modelo de educação viola o princípio da igualdade porquanto é restrita a uma classe mais financeiramente abastada da sociedade, ou seja: se uns não podem fazê-lo por carência de recursos, ninguém pode. Ora, na linha desse entendimento, também não se justificam as escolas particulares, desde que nem todos possam pagá-la; nem tampouco hospitais particulares, etc. Aqui, está-se flagrantemente no âmbito do que denunciou Carlos Blanco de Morais: é a ideologia travestida de papel redentor da Constituição; é o neoconstitucionalismo ideológico a serviço de uma “revivescência do discurso marxista”, afirmou o jurista português[89].

A aludida busca da liberdade para todos, mas a partir de uma igualdade sem liberdade, e a promoção pelo Estado da felicidade de todos, mas de uma felicidade coercitiva, que, por óbvio, não se trata de felicidade, mas da imposição de determinadas convicções ideológicas, foram os vetores do voto do Ministro Fux que, no fim – inevitável –, decidiu pela inconstitucionalidade da educação domiciliar. O mesmo se diga, ainda que em menor grau, em relação ao voto vencedor que, ao fim e ao cabo, concluiu pela ausência de um direito subjetivo público à liberdade e à autodeterminação das famílias.

5.4. Do quadro empírico do Homeschooling no Brasil

Acerca das análises empíricas, é oportuno trazer alguns conceitos de Robert Alexy, autor que tanto é citado – especialmente pelo STF – quando se trata do método da ponderação de normas conflitantes, ainda que no julgamento ora analisado não se tenha utilizado tal método.

Alexy dá atenção especial para os aspectos de fato ou empíricos. Nas duas primeiras fases da ponderação – adequação e necessidade –, são analisados os aspectos fáticos. Também na terceira etapa, proporcionalidade em sentido estrito, na qual são analisados os aspectos jurídicos, devem, segundo ensina o autor, ser aferidas também as certezas empíricas que justificam uma limitação maior ou menor de uma norma em outra. Esta é a lei epistêmica da ponderação em seu viés empírico (colchetes inseridos): “Quanto mais pesada for a interferência em um direito fundamental, maior deve ser a certeza [empírica] das premissas que a justificam”[90].

Não é o caso de se discutir, neste artigo, a aplicabilidade ou não das teorias de ponderação alexianas. De qualquer sorte, a justiça, em nenhum caso, pode ignorar os aspectos de fato que envolvem a causa. Nesse sentido, Gilmar Mendes cita o jurista alemão Konrad Hesse: “a concretização do conteúdo de uma norma constitucional, assim como a sua realização, somente são possíveis quando se incorporam as circunstâncias da realidade que a norma é chamada a regular.”[91]. Por isso, é de se questionar: qual o quadro empírico no qual se aplicam as normas constitucionais e supralegais delineadas neste caso?

Para responder é necessário voltar ao voto do Ministro inicialmente Relator do caso, Luís Roberto Barroso, que, com base em levantamento feito pelo próprio STF, constatou, em primeiro lugar, que Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, França, Itália, Portugal, Irlanda, Bélgica, Finlândia, Taiwan e Estados Unidos têm número significativo de famílias homeschoolers; sobre este último, “O National Home Education Research Institute, que é a entidade sem fins lucrativos que provê estatísticas nessa matéria, apresenta números maiores: de 2,3 milhões de americanos. E, ainda estatística do mesmo órgão, 5,7 milhões de crianças, nos Estados Unidos, já tiveram educação domiciliar”, salientou o Ministro. Já sobre os países relevantes que não permitem a prática – Suécia, Grécia, Alemanha e Espanha –, ressalva o julgador que são minoritários[92].

No Brasil, continua o voto: “Associação Nacional de Educação Domiciliar, a ANED, - que esteve muito bem representada na tribuna e que foi admitida como amicus curiae - estima que cerca de 3.200 famílias no Brasil adotam esse método pedagógico de educação dos seus filhos”[93]. Observe-se, com efeito, que tal quantidade de famílias é significativa para um país onde a prática ainda não tem uma solução legal.

O Ministro apontou, também, que “as crianças que estão em educação domiciliar, conforme pesquisas empíricas relevantes - e as quais eu tive acesso -, elas não apenas têm melhor desempenho acadêmico, o que é indisputado, como também apresentam um nível elevado de socialização, acima da média”. Nessa linha, realçou que os melhores resultados no Programme for International Student Assessment (PISA) são os dos países que têm a educação domiciliar regulamentada ou ao menos a toleram[94]. Acrescente-se a essa informação o seguinte: dados oficiais obtidos no sítio eletrônico do PISA indicam expressamente, in litteris: “O desempenho dos alunos no Brasil está abaixo da média dos alunos em países da OCDE em ciências (401 pontos, comparados à média de 493 pontos), em leitura (407 pontos, comparados à média de 493 points) e em matemática (377 pontos, comparados à média de 490 pontos)”[95].

De todos os dados empíricos aqui delineados, são especialmente importantes para a análise da constitucionalidade da educação domiciliar no Brasil: i) a maior parte dos países do mundo ocidental, os quais contemplam, em princípio, os direitos fundamentais em sua totalidade, regulamentam ou toleram o homeschooling; ii) as crianças submetidas a essa prática têm, em geral, melhor desempenho acadêmico e níveis elevados de socialização; iii) no Brasil, onde quem adota esse modelo de educação ainda está num limbo regulamentar, há um número significativo de famílias que já o fazem; iv) os alunos da educação escolar no Brasil, que é largamente a majoritária, têm apresentados resultados abaixo da média internacional.

No que concerne ao melhor desempenho acadêmico das famílias homeschoolers, recorde-se que, pela Constituição brasileira, o ensino será ministrado com base no princípio da “garantia de padrão de qualidade”[96]. Ora, se, na realidade, o padrão de qualidade do ensino escolar, diferentemente do ensino domiciliar, tem sido comprovadamente insatisfatório, também por esse motivo não faz sentido que o Estado não reconheça a liberdade constitucional do homeschooling.

Além disso, constata-se de cartilhas editadas pelo Ministério da Educação do Brasil em 2007, que houve nas escolas brasileiras uma difusão dogmática do que se chama de “teoria de gênero” por meio de uma abordagem ideológica manifestamente contrária às convicções morais e religiosas de muitas famílias brasileiras, ou seja, em evidente violação ao direito dos pais sobre a educação moral e religiosa dos filhos e à neutralidade estatal nesses âmbitos[97].

Em 2018, em Brasília, capital federal, o Tribunal local condenou em danos morais um sindicato de professores que, sob o pretexto de fomentar o debate cívico entre os alunos, espalhou nas escolas propagandas políticas e sindicais. Salientou o Tribunal que “A manifestação de ideias, opiniões ou juízos de valor de natureza política (ou pessoal relacionada ao contexto político), quando ocorrida em ambiente sindical, gera repercussão absolutamente distinta daquela causada em ambiente escolar. Afinal, o primeiro é palco legítimo para a defesa de interesses de uma categoria, enquanto este último é espaço necessariamente destinado ao pluralismo de ideias e notadamente privilegiado ao debate”[98].

Estes últimos elementos empíricos denotam que muitas das escolas brasileiras estão aparelhadas por entidades e pessoas com interesses políticos e ideológicos. Ora, a neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado é incontroversa na Constituição brasileira[99]; igualmente incontroverso, como demonstrado neste paper, é o direito dos pais sobre a educação dos filhos, especialmente no que tange às diretrizes políticas, ideológicas e religiosas. Com efeito, é nesse cenário de deseducação nas escolas que o STF, ao invés de reconhecer a liberdade constitucional da educação domiciliar, decidiu que tal prática não é direito das famílias.

Conclusão

Neste julgamento, o STF, Corte Constitucional brasileira, em fiscalização difusa de constitucionalidade, contrariamente à Constituição do Brasil, não reconheceu a liberdade fundamental das famílias de praticar o homeschooling. Pelo contrário, decidiu que a Lei Maior brasileira não proíbe mas não prevê tal prática como direito subjetivo público, ou seja, entendeu que a educação domiciliar está condicionada à escolha legislativa.

Tal decisão vai na contramão da autoaplicabilidade dos direitos fundamentais, mormente das liberdades. Com efeito, tal autoaplicabilidade é afastada quando estão em causa direitos sociais, especialmente os constantes de normas programáticas, de baixa densidade normativa e que, frequentemente, têm sua aplicabilidade submetida aos juízos de conveniência dos órgãos legiferantes.

Por outro lado, as liberdades fundamentais, inclusivamente a liberdade dos pais de educar os filhos da maneira que melhor lhes aprouver – salvo abuso de direito –, a qual tem amparo na Constituição brasileira e em normas de direito internacional que têm nível supralegal no Brasil, não podem depender do arbítrio legislativo.

Os argumentos contrários à liberdade da educação domiciliar, introduzidos em várias das páginas do acórdão ora analisado, no sentido de garantir bens constitucionais como o pluralismo ou a cidadania, ou, ainda, na linha de defender a socialização das crianças e adolescentes em razão do princípio da proteção integral desses indivíduos, são, na verdade, inconstitucionais. Afinal, no âmbito do Estado de direitos fundamentais, não há falar em promoção dos direitos sociais – ou de quaisquer outros – fora de um regime de liberdade, isto é: os citados pretextos não servem para que seja retirada das famílias a liberdade de educação dos próprios filhos em detrimento de qualquer suposto dever do Estado ou da sociedade.

Referências Bibliográficas

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 888.815/RS. Tribunal Pleno. Relator p/ Acórdão: Ministro Alexandre de Moraes. Julgamento: 12/09/2018, DJe 21-03-2019.

[2] Ibidem, p. 12.

[3] Ibidem, p. 14 e segs.

[4] Ibidem, p. 22.

[5] Ibidem, p. 72.

[6] Ibidem, p. 86 e segs.

[7] Ibidem, p. 101 e segs.

[8] LOPES, Pedro Moniz. Derrotabilidade normativa e normas administrativas. Tese (Doutoramento em Direito - Ciências jurídico-políticas) – Faculdade de Direito, Universidade de Lisboa. Lisboa, 2014, p. 28.

[9] ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade de Aprender e a Liberdade das Escolas Particulares. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1995, p. 37.

[10] Ibidem, p. 36 e segs.

[11] Ibidem.

[12] MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. 2. ed., Almedina, 2017, p. 38.

[13] ADRAGÃO, Paulo Pulido. Op. cit., p. 39 e segs.

[14] Ibidem, p. 41 e segs.

[15] Ibidem.

[16] Ibidem, p. 45 e segs.

[17] Ibidem, p. 50 e segs.

[18] Ibidem.

[19] Ibidem, p. 37-38.

[20] DA SILVA, Jorge Pereira. Direitos Fundamentais: teoria geral. Lisboa. Universidade Católica Editora, 2018, p. 20 e segs.

[21] Ibidem.

[22] CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. p. 381 e segs.

[23] MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Op. cit., p. 31.

[24] Ibidem, p. 32-33.

[25] DA SILVA, Jorge Pereira. Op. cit., p. 38 e segs.

[26] MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Op. cit., p. 29. Nesta oportunidade, ainda ressalta o autor que ““o termo geração, geração de direitos, afigura-se enganador por sugerir uma sucessão de categorias de direitos, umas substituindo-se às outras – quando, pelo contrário, o que se verifica ou deve verificar-se é um enriquecimento crescente em resposta às novas exigências das pessoas e das sociedades”. Portanto, utiliza-se neste artigo o termo “dimensão” em vez de “geração”.

[27] ALEMANHA. Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. BVerfGE 2, 920/14.

[28] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 888.815/RS. Op. Cit., p. 16.

[29] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1.030 e segs.

[30] Não obstante os esclarecimentos, neste artigo utilizar-se-á controle difuso como sinônimo de concreto; igualmente, o controle concentrado como sinônimo de abstrato.

[31] MORAIS, Carlos Blanco de. O controlo de Inconstitucionalidade por Omissão no Ordenamento Jurídico Brasileiro e a Tutela dos Direitos Sociais: Um mero ciclo activista ou uma evolução para o paradigma neoconstitucionalista? Revista de Direito Constitucional e Internacional: RDCI, v. 20, n. 78, BDJur, 2012, p. 155 e segs.

[32] Ibidem.

[33] BRASIL. Lei n.º 13.300, 2016. Artigo 9.º.

[34] MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit., p. 160.

[35] Ibidem, p. 216-217.

[36] CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil: Introdução, fontes do Direito, interpretação da lei, aplicação das leis no tempo, doutrina geral. Almedina, 2012. p. 737.

[37] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

[38] BRASIL. Lei n.º 9.868, 1999, artigo 12-H.

[39] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

[40] BRASIL. Lei n.º 13.300, 2016, artigo 8.º.

[41] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Op. cit.,, p. 1.193.

[42] MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit. 210 e segs.

[43] Ibidem, p. 214.

[44] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3.406/RJ e ADI 3.470/RJ, Op. Cit.

[45] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Artigo 102, §2º.

[46] BRASIL. Lei n.º 9.868, 1999. Artigo 27.

[47] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 122.202/MG. Segunda Turma. Relator: Ministro Francisco Rezek, julgamento: 10/08/1993, DJe 08/04/1994; e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 197.917/SP. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Maurício Corrêa, julgamento: 24/03/2004, DJe 07/05/2004.

[48] BRASIL. Decreto nº 13.105, 2015, artigos 525, 535 e 927.

[49] BARROSO, Luís Roberto. Influência da Reconstitucionalização de Portugal sobre a Experiência Constitucional Brasileira. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Edição Especial: 30 anos da Constituição Portuguesa 1976-2006, 2006, p. 78.

[50] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 712/PA. Tribunal Pleno. Relator: Ministro Eros Grau, julgamento: 25/10/2007, DJe: 07-05-2004.

[51] MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit. 213.

[52] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 26/DF e MI 4733/DF. Tribunal Pleno. Relatores respectivos: Ministros Celso de Mello e Edson Fachin, julgamento: 13/06/2019, DJe: 01-07-2019.

[53] QUEIROZ, Paulo. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Salvador: JusPODIVM, 2012. p. 72 e segs.

[54] DA SILVA, Jorge Pereira, Op. Cit., p. 19.

[55] BRANCO, Ricardo. A Vinculação do Juiz à Constituição nos Interstícios da Sujeição Judicial à Legislação Ordinária Válida, Segundo o Pensamento de Rudolf Wassermann, Uma Lição Adequada ao Caso Português. Revista Julgar, n.º 29, 2016, p. 154 e segs.

[56] MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit. 163 e segs. Também nesse sentido, José Eduardo de Siqueira, igualmente, percebeu esses sintomas no STF e denunciou as arbitrariedades nas fundamentações dos julgados do Tribunal a partir da utilização de princípios. SIQUEIRA, José Eduardo Paiva Miranda. A Arbitrariedade na Fundamentação das Decisões do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 97 e segs.

[57] BENVINDO, Juliano Zeiden; et al. A Quem Interessa o Controle Concentrado de Constitucionalidade? O Descompasso entre Teoria e Prática da Defesa dos Direitos Fundamentais. Pesquisa Edital MCT/CNPq, no 14/2010 – Universidade de Brasília, 2014.

[58] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 149.

[59] MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit. 198 e segs.

[60] Ibidem, 214 e segs.

[61] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 141.

[62] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 6º.

[63] MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit. P. 199.

[64] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 141.

[65] Nesse sentido: DA SILVA, Jorge Pereira. Op. cit., p. 39 e segs; e MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Op. cit., p. 118.

[66] PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa, 1976, artigo 43.º.1; e BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 206, II.

[67] ADRAGÃO, Paulo Pulido. A Liberdade de Aprender e a Liberdade das Escolas Particulares. Op. cit., prefácio.

[68] MIRANDA, Jorge. Direitos Fundamentais. Op. cit., p. 80.

[69] Ibidem, p. 120-121.

[70] Ibidem.

[71] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 888.815/RS. Op. cit., p. 76.

[72] Na Constituição do Brasil, tal neutralidade é extraída de uma interpretação sistemática dos artigos 1º, 17, 19 e 206. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Na portuguesa, há a mesma neutralidade, porém, numa norma mais esclarecedora: “O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”. PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa, 1976, artigo 43º. 2.

[73] O princípio da transparência é expresso na legislação consumerista brasileira: BRASIL. Lei n.º 8.078, 1990, artigo 4º. Sobre o assunto, a doutrina salienta: “O consumidor, ao decidir por sua vinculação obrigacional, há que estar plenamente cônscio de todos os caracteres do produto ou do serviço adquirido.”. OLIVEIRA, James Eduardo. Código de Defesa do Consumidor anotado e comentado. São Paulo: Atlas, 2015. p. 81.

[74] Foge ao campo de investigação deste artigo a questão sobre até que faixa etária compete aos pais a escolha da educação dos filhos. Portanto, quando doravante citado o direito dos pais sobre o tipo de educação a ser dada aos filhos, entenda-se que estão sendo referidos os filhos que têm idade consonante com tal submissão.

[75] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 208, I. Esse dispositivo traz o dever do Estado de: “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”.

[76] Ibidem, artigo 208, II. Cabe ao Estado garantir: “progressiva universalização do ensino médio gratuito”.

[77] Ibidem, V: “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.

[78] CANOTILHO, J.J. Gomes; MALISKA, Marcos Augusto; et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Almedina, 2014, p. 1970.

[79] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 209, I e II.

[80] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 888.815/RS. Tribunal Pleno. Relator p/ Acórdão: Ministro Alexandre de Moraes, julgamento: 12/09/2018, DJe: 21-03-2019.

[81] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 205.

[82] Ibidem, artigo 227.

[83] Ibidem, artigo 210.

[84] CANOTILHO, J.J. Gomes; MALISKA, Marcos Augusto; et al. Op. cit., p. 1965.

[85] BRASIL. Decreto n.º 678, 1992. Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”), 1969, artigo 12.4.

[86] BRASIL. Decreto n.º 591, 1992. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966, artigo 13.1.

[87] As normas supralegais são, inclusive, utilizadas pelo STF como parâmetro para a fiscalização de constitucionalidade. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466.343/SP. Relator: Ministro Cezar Peluso, julgamento: 3/12/2008, DJe: 05-06-2009.

[88] A laicidade do Estado impõe a não intromissão estatal nos assuntos religiosos e vice-versa. Por esse princípio, o Estado é neutro no que se refere às religiões e as partes da relação Igreja-Estado são reciprocamente independentes. Isso não implica, todavia, o afastamento entre elas. O laicismo, por outro lado, implica esse afastamento: aqui, desconsidera-se o fenômeno religioso e há verdadeira oposição à religião, ou seja, o laicismo é, na verdade, violador do Estado laico. Nessa linha: CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada. v. I, 4. ed., Coimbra Editora, 2014, p. 297 e segs; e MIRANDA, Jorge; MEDEIROS Rui. Constituição Portuguesa Anotada, artigos 1º a 79º. Coimbra Editora, 2005, p. 448.

[89] MORAIS, Carlos Blanco de. Op. cit. 184 e segs.

[90] ALEXY, Robert; et al. Princípios Formais e Outros Aspectos da Teoria Discursiva do Direito. Op. cit., p. 9. Faz-se a observação de ser o “viés empírico” porque a lei epistêmica também tem uma vertente normativa: trata-se das certezas normativas sobre o caso. Porém, uma análise mais profunda das demais variáveis da ponderação indicadas pelo autor implicaria fuga dos limites deste paper, no qual não se está a fazer a ponderação passo a passo.

[91] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Op. cit., p. 87.

[92] Ibidem, p. 16.

[93] Ibidem, p. 15.

[94] Ibidem.

[95] OECD, PISA 2015 Results (Volume I): Excellence and Equity in Education, 2016. Disponível em:

<http://www.oecd.org/publications/pisa-2015-results-volume-i- 9789264266490-en.htm>

[96] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, artigo 206, VII.

[97] Disponível em: <http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_cad4_gen_div_prec.pdf>.

[98] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação Cível 07040607320188070001. Relator: Sandoval Oliveira. 2ª Turma Cível. Julgamento: 22/11/2018, DJe: 28-11-2018.

[99] Art. 1º. “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: V - o pluralismo político;” Art. 17. “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos;” Art. 19. “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.