Entrevista com Carlos Ignacio Massini Correas (Cidade do México, 2014)

Direito natural e questões

teórico-jurídicas contemporâneas

Entrevistado: Carlos Ignacio Massini Correas

Doutor em Direito (Universidad de Mendoza, Argentina) e em Filosofia (Universidad Nacional de Cuyo, Argentina), bem como Doutor honoris causa pela Universidad de Mendoza e pela Universidad Austral (Buenos Aires). Professor de Filosofia Jurídica da Universidad de Mendoza, Argentina. Ex-Professor de Ética na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Argentina de Buenos Aires e na Faculdade de Medicina da Universidade de Mendoza. Ele publicou trinta livros e mais de duzentos artigos científicos na América e na Europa. Foi investigador principal do CONICET e professor visitante nas universidades de Münster, Notre Dame, Navarra, La Coruña, Los Andes (Chile), Panamericana (México) e várias outras. Foi por vários anos Secretário da Universidad de Mendoza e Diretor do Doutorado em Direito da Universidad Católica de Santa Fe (Argentina).

Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ZqmUR2Nb8Lc (consulta em 09/6/2021)

Transcrito e traduzido do espanhol por Frederico Bonaldo[1]

[1] Doutor em Filosofia do Direito e do Estado (PUC-SP); Mestre em Direito (UERJ); Professor de Ética Filosófica (Academia Atlântico e Universidade Católica de Santos); Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (Universidade Católica de Santos.

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Hoje, falar de Filosofia do Direito, no século XXI, já tem muitos matizes em nível internacional. E uma das primeiras perguntas que eu gostaria de fazer-lhe é sobre a busca do fundamento do Direito. Hoje, já não se fala de um positivismo recalcitrante; hoje, procura-se buscar o fundamento. E também encontramos muitas dessas respostas novamente no eterno retorno do direito natural. Qual é a sua percepção a respeito da busca do fundamento através do direito natural?

A minha percepção fundamental é que a hegemonia do positivismo ou quase hegemonia do positivismo, que teve o seu reinado, eu diria, desde o fim do século XIX até 1960, foi substituída por uma espécie de fragmentação de ideias. Isto é, já não há nenhuma corrente jusfilosófica hegemônica, mas há muitas correntes que competem entre si, que discutem. Antes, era muito difícil discutir com o juspositivismo, porque, ao sentir-se hegemonicamente dominador, adquirira uma atitude soberba e de desprezo em relação às demais concepções, o que impossibilitava um diálogo com eles. Mas isso agora desapareceu, porque o positivismo é mais uma de uma série de correntes, como as escolas críticas, as jusnaturalistas, o positivismo inclusivo – que inclui normas morais. Ou seja, hoje em dia, dá-se essa fragmentação geral, essa dispersão de enfoques que, aliás, faz com que a Teoria do Direito e a Filosofia do Direito sejam muito mais divertidas, não? É muito mais divertido discutir com muitas pessoas do que discutir com apenas uma, que, além disso, se nega a discutir, como acontecia até os anos 60 com o juspositivismo.

Gostaria de perguntar-lhe sobre as falácias no jusnaturalismo. No seu livro, o senhor faz uma crítica à “Lei de Hume”. Gostaria que nos falasse um pouco mais sobre por que há uma falácia nas premissas que não sustenta o dever do homem.

O problema da “falácia de Hume”, também chamada de “falácia naturalista”… Na verdade, a expressão “falácia naturalista” foi inventada por George Edward Moore para referir-se a outra falácia, que se pode chamar “falácia definista”. Mas, se vamos à “Lei de Hume”, o que Hume fez foi reeditar uma afirmação que já está em Aristóteles que diz que não pode haver nada na conclusão que não esteja nas premissas. Efetivamente, se nas premissas não há uma afirmação, por exemplo, sobre o homem, então o homem não pode aparecer na conclusão. A mesma coisa ocorre com o deve ser: o dever ser não pode aparecer na conclusão se não está nas premissas. Isto é, para que haja um raciocínio prático-deôntico que seja concludente e tenha ilatividade, é necessário que haja pelo menos uma premissa deôntica. E Hume acusava certos autores ingleses de falharem nisto, fundamentalmente Samuel Clark, que era o que ele conhecia, de defenderem que a partir de afirmações acerca da natureza humana podiam-se inferir deveres e direitos. Efetivamente, isto é uma falácia, tal como Hume disse. Contudo, inclusive Samuel Clark e outros racionalistas da Idade moderna sempre pressupunham uma série de premissas deônticas. Fundamentalmente, segundo o jusnaturalismo clássico, o primeiro princípio prático é “o bem deve ser feito e o mal, evitado”. E, além disso, outra premissa que diz: “Aquilo que aperfeiçoa a natureza humana é bom para o homem e aquilo que degrada a natureza humana é mau para o homem”. Então, com estas premissas, podemos afirmar que o homem é um animal racional ou um ser racional, e daí podemos tirar a conclusão de que o homem deve agir racionalmente, sem necessidade de cairmos em falácia alguma, porque levamos em conta estas premissas, isto é, que a natureza humana é, digamos assim, a estrutura que explica o bem humano; e o bem humano segue-se da natureza humana; e o bem deve ser feito; logo, a racionalidade deve fazer-se, o homem deve agir racionalmente. Penso que isto é algo logicamente bastante elementar; não é preciso ser um grande lógico para afirmar isto. E, portanto, parece-me que, hoje em dia, a afirmação que alguns juspositivistas faziam de que o jusnaturalismo é incapaz de fundamentar o Direito por incorrer nessa falácia já não tem cabimento.

Pode-se dizer que não há certeza nas leis naturais?

Outra coisa são as leis naturais. Não são as leis da Física, das ciências positivas; estas são outra coisa. Estamos falando da natureza entendida como aquilo que racionalmente aperfeiçoa o homem – conforme a sua natureza, efetivamente. A racionalidade ou conhecimento, por exemplo, é um bem para o homem porque o homem é um ser cognoscente; se o homem não fosse um ser cognoscente, como a árvore, a racionalidade não seria um bem para ele. E a amizade é um bem para o homem porque o homem é um ser social; se o homem não fosse social, se fosse como uma ameba, a amizade não seria necessária. Ou seja, há uma continuidade entre a perfeição humana, o bem humano, aquilo que deve ser feito, e aquilo que o homem é. Mas, volto a repetir, isto é mediado por um princípio que diz que “aquilo que é bom – aquilo que se adéqua ou aperfeiçoa a natureza humana – deve ser feito”. Portanto, não há falácia. Além disso, é uma jusfilosofia mais existencial, porque tem a ver com a realidade humana. A realidade humana vê-se refletida nos deveres humanos. E volto a dizer: o homem é um ser que, por exemplo, é capaz de desfrutar da beleza; logo a beleza é um bem humano; logo, é errado destruir e não conservar as obras de arte etc. Ou seja, podemos chegar a esta conclusão de um modo relativamente fácil e sem violarmos nenhuma regra lógica.

Uma das grandes omissões de que acusam o jusnaturalismo não é tanto relativa ao tema da interpretação jurídica, mas é quanto à falta da utilização de ferramentas como signos e a teoria semântica. O que nos poderia dizer sobre isso?

Efetivamente, isso acontece se alguém se remete ao jusnaturalismo dos anos 1930. Mas se observamos o jusnaturalismo de autores como Mark Murphy, Robert P. George e de John Finnis, veremos que todos estes autores incorporaram todo o instrumental da Filosofia analítica ao estudo da lei natural. E, deste modo, não se pode dizer que este campo esteja vazio. Por exemplo, o tema da interpretação. Efetivamente, este foi um tema bastante veiculado durante os anos 1970 e 1980. Mas é preciso recordar que Kelsen, na Teoria pura do Direito, dedica só 2,19% ao tema da interpretação e para dizer que não existe interpretação jurídica. De modo que me parece que o positivismo jurídico é muito mais culpado que o jusnaturalismo de não ter tratado do tema da interpretação. Mas, desde há uns poucos anos, o jusnaturalismo tem feito uma série de contribuições a este campo; de fato, o primeiro livro meu que se publicou aqui no México, pela editora Porrúa, que se chama Objetividad jurídica e interpretación del Derecho, tem um capítulo dedicado ao jusnaturalismo e a interpretação jurídica, em que matizo a doutrina da interpretação jurídica que é própria do jusnaturalismo, que é uma interpretação referencial; quer dizer, não é – como dizem alguns autores – que é preciso atribuir sentido; atribuir sentido não significa atribuir o que cada um quer. Se uma lei diz que o homicida deve ser punido, não se pode interpretar que o homicida deve ser premiado. Se fosse questão de atribuir, eu poderia atribuir qualquer tontice. Trata-se antes de descobrir e determinar; não é uma mera descoberta, certamente há uma construção na interpretação; mas não é mera construção; é também recepção, é também conhecimento. Neste sentido, o conhecimento dos bens humanos é o que nos dá a luz para interpretarmos, no âmbito prático, as normas jurídicas, os contratos jurídicos, as normas em geral, não só as leis. Portanto, parece-me que, hoje em dia, há bastante material sobre este tema, de modo que não se pode acusar o jusnaturalismo de uma falha neste sentido, hoje em dia; talvez sim antes da segunda guerra mundial, mas não hoje em dia.

Doutor, com relação ao que o senhor estava mencionando há pouco, de que existe um raciocínio jurídico, mas… Uma das coisas que me parecem muito interessantes em Finnis é a construção do ethos a partir de uma inclusão também moral. Às vezes, pensamos que a razão jurídica é uma entidade afastada, que não deve ter nenhuma… possivelmente, por causa da contaminação positivista ou analítica que existiu… Mas, hoje em dia, esse debate é muito interessante: os alcances e os limites da reconstrução da ética ou da moral, em determinado caso, dentro do Direito. A seu ver, qual é esse núcleo teórico que devemos abordar hoje em dia na discussão da reconstrução da moral e do ethos em relação à razão jurídica?

Em primeiro lugar, isso que você disse sobre “positivista ou analítica” não é a mesma coisa. Porque há analíticos que não são positivistas. Por exemplo, Elizabeth Anscombe, Peter Geach, Anthony Kenny etc. São todos ingleses e escreveram muitas obras em matéria de Ética. Kenny acaba de escrever uma breve história da Filosofia geral. E há muitos autores que… Há um livro que apareceu em francês, faz uns dez anos, que se chama Après Wittgenstein, saint Thomas; são analíticos tomistas. Portanto, existe um tomismo analítico, de modo que não se pode identificar analítica com juspositivismo. Há um positivismo jurídico analítico, mas também há um jusnaturalismo analítico, como o de John Finnis. Em segundo lugar, parece-me que a questão referente às relações entre a Ética e o Direito radica naquilo que Robert Alexy chama de “natureza dual do Direito”. A natureza dual do Direito significa que em todo fenômeno jurídico, seja qual for, se descobrem duas dimensões, dois aspectos, dois desdobramentos, duas partes: uma que é fática, institucional, que remete a fatos sociais de sanção de normas, de aplicação de normas e de punição aos culpados quando é o caso; e outra parte que remete a valorações, a princípios éticos que são levados em conta no momento de redigir as leis, de aplicar as leis, de deixar de aplicar certas leis em alguns casos – é o que Hart diz no caso da “derrotabilidade” (é uma tradução bastante discutível). Parece-me que há estes dois elementos; é a natureza dual do Direito. Isto também é defendido por Finnis e alguns historiadores como Harold Berman, no seu magnífico livro A formação da tradição jurídica do Ocidente, em que ele diz que o Direito não é meramente as normas sancionadas agora, mas é uma série de valorações, tradições, de princípios que se foram aplicando, que se utilizam para interpretar, que se utilizam para aplicar, que têm uma vigência indubitável na existência da realidade jurídica. Por isso, parece-me que esta afirmação de Alexy da natureza dual do Direito é especialmente pertinente. Há outro autor, o italiano Paolo Prodi, que acaba de publicar na Argentina a tradução de um livro que se chama Uma história da justiça, no qual ele diz a mesma coisa, isto é, que, ao longo de toda a história, se vê que, ao se falar de Direito, não se pode falar só de normas, porque senão seria um ópio, seria uma recopilação de textos jurídicos. Se se fala de Direito em geral, fala-se de valorações, de bens, de fins que se buscam com a sanção das normas; ou seja, este elemento não pode ser negado; e uma teoria jurídica completa deve levar em conta as duas coisas.

A vantagem que o jusnaturalismo tem é que leva em conta as duas coisas, porque leva em conta o direito positivo… A melhor defesa do direito positivo está na Suma de teologia, II-II, q. 95, de Tomás de Aquino. Ali, Tomás pergunta-se: “A lei positiva é necessária?”; e responde: “Sim, por isto, por isto, por isto…”; cinco artigos longos, são várias páginas, nas quais justifica por que o direito positivo é necessário. Mas, ao mesmo tempo, sabe que isso tem de ser valorado, tem de ser ajustado a princípios, tem de ser estimado.

O positivismo, por sua vez, no início – sobretudo o positivismo excludente –, considera somente os fatos sociais, como, por exemplo, no recente livro de Andrei Marmor, Philosophy of Law, em que ele diz expressamente que só os fatos sociais são o fundamento do Direito. Com efeito, penso que eles, sim, caem na falácia naturalista, porque de fatos sociais, por mais que sejam sociais, não se segue dever algum.

Sobre este ponto, eu gostaria de falar um pouco mais acerca dos princípios em que a teoria positivista se baseia em relação a Tomás de Aquino. Apesar de que vários positivistas criticavam Tomás de Aquino, John Finnis defendia que Tomás de Aquino sustentava que os princípios positivistas podiam ser raciocinados em qualquer idade do ser humano e que são os princípios que determinam o bem e o mal no agir do homem. Como se poderia entender que são autoevidentes? Porque Finnis defende que eles não são inderivados…

Porque não são inderivados. São derivados.

…por que são inatos?

Eu diria o seguinte: o problema é que, no tema da fundamentação, para que a fundamentação não seja circular – é o que se costuma chamar de teorema de Münchhausen, que foi divulgado por Hans Albert e reiterado por uma série de…, por exemplo, Raymond Boudon, no seu livro Le sens des valeurs. Esses autores sustentam o seguinte: para que uns princípios justifiquem algo, para que haja uma justificação numa argumentação, há três possibilidades: cortar arbitrariamente o raciocínio em algum lugar e se raciocine a partir desse momento, sabendo que isto não é último; fazer um raciocínio circular; ou então que se chegue a uns primeiros princípios indiscutíveis ou indemonstráveis. Estas são as três possibilidades. E Raymond Boudon afirma bem, nesse livro Le sens des valeurs, que a única que consegue efetivamente fundamentar em sentido racional e completo qualquer afirmação – não só a da existência do direito natural – é aquela que remete a um fundamento indemonstrável, isto é, que se conhece por evidência. Do contrário, não é possível justificar nada; nem o direito natural nem nada. Não é possível justificar a Matemática, porque a Matemática tem de sempre recorrer a um axioma; em última instância, a um axioma que justifique todo o sistema. Todos os sistemas precisam de um axioma. No caso da Matemática, esse axioma pode ser convencional, mas, no caso das ciências humanas, não pode ser convencional, porque as pessoas não obedecem a não ser que se lhes deem razões radicais. Sobretudo no caso do Direito, que nos exige uma conduta de um modo até compulsivo. Ou seja, não é só como a Moral, que dá conselhos – neste campo, pode-se chegar até um fundamento mediato. Mas quando alguém sabe que pode passar a vida na prisão ou, em alguns países, “ser pendurado pelo pescoço até morrer”, como dizia a fórmula inglesa, precisa de uma justificação decisiva, definitiva. Portanto, deve contar com um último fundamento que, se é último, necessariamente não pode ser justificado, porque não pode vir de outros princípios anteriores – porque, neste caso, os princípios primeiros seriam os outros. Portanto, tem de ser um princípio autoevidente.

Agora, o fato de ser autoevidente e de não ser demonstrável não significa que não possa ser defendível – Finnis diz isto muito bem. Pode ser defendido dialeticamente, há argumentos para defendê-lo. O argumento fundamental da sua defesa é o argumento do absurdo, isto é, “se isto não for levado em conta, o resultado será absurdo”. Não é uma demonstração em sentido próprio, em sentido matemático ou físico, mas é um argumento bastante forte de maneira a justificar que esses primeiros princípios são efetivamente autoevidentes.

Aliás, há muitos argumentos. Por exemplo, todas as pessoas agem como se esses princípios existissem. Como dizia Hume, “eu sou cético até sair da escrivaninha”. É claro: quando ele tinha de viver, quando ele tinha de comer um bife, ele acreditava que aquilo era um bife, não acreditava que era uma pedra; não desconfiava de que era um bife nem desconfiava da sua cozinheira; e fez bem. Em suma, as pessoas agem como se existissem princípios últimos. Portanto, é absurdo ou, pelo menos, muito discutível as afirmações céticas de que esses princípios não podem ser conhecidos. Bem, não podem ser conhecidos, mas toda a humanidade, ao longo de toda a sua história e sem exceção, agiu como se esses princípios existissem. Logo, a afirmação de que esses princípios não existem e não tenham validade seria muito improvável ou tão improvável, que não mereceria ser levada em conta estatisticamente. Por isto, parece-me que a autoevidência de Finnis… isto já estava em Aristóteles, em Platão, vem do pensamento clássico; mas o que Finnis faz é formulá-la nos termos da Filosofia analítica, da Filosofia contemporânea. Digamos, atualiza uma tese de toda a vida.

Faz um momento, estávamos conversando sobre como é difícil fundamentar os primeiros princípios…

Não, é impossível.

É impossível. Mas a impossibilidade já não nos demarcaria um tema de teoria de niilismo jurídico? Ou seja, não podemos fundamentar completamente tudo, mas é preciso que reconheçamos que esses princípios devem ser justificados de tal e de qual forma?

O que acontece é que, neste sentido, o niilismo é muito mais radical. O niilismo diz que não se pode justificar nada, ao passo que o jusnaturalismo não diz isto; diz que não se pode demonstrar de um modo logicamente perfeito. Mas, de todo modo, a evidência tem argumentos muito sólidos. Há pouco, fiz referência ao argumento pragmático – segundo o qual as pessoas se comportam como se esses princípios existissem – e ao argumento por absurdo – pelo qual se nós não pensássemos assim, chegaríamos a conclusões disparatadas, como, por exemplo, de que é preciso respeitar a própria mãe e bater na própria mãe ao mesmo tempo; se não se aceita que existem primeiros princípios, pode-se chegar a conclusões deste tipo. Portanto, não me parece que se deva pedir… Há um axioma aristotélico, que é especial, que se encontra no Livro I da Ética a Nicômaco, no capítulo primeiro; ele diz que não se pode exigir mais certeza do que é possível em cada âmbito do conhecimento. Por exemplo, diz que assim como não é possível aceitar razões prováveis por parte de um matemático – ele não pode dizer que o resultado da conta é mais ou menos 217 –, também não é possível exigir razões perfeitas por parte de um rétor, de um filósofo prático, enfim, por parte de quem se encarrega das coisas humanas, porque, como Aristóteles também diz, as coisas humanas não têm certeza alguma. Os primeiros princípios têm certeza, mas não a mesma certeza que um teorema matemático pode ter.

Quanto à interpretação jurídica. Pode ser realmente objetiva? Pode haver objetividade na interpretação jurídica?

Bom, eu acredito que sim, porque, do contrário, não seria propriamente interpretação. Se não houvesse certa objetividade, a interpretação seria a atribuição de sentido, como dizem alguns autores. Assim, à norma que diz “Quem matar outrem, deverá ser condenado de 8 a 25 de prisão”, como diz o Código penal argentino, eu poderia atribuir-lhe o sentido de “Quem matar outrem, deverá ser premiado com um prêmio de 8 a 25 milhões de dólares”. Ou seja, tem de haver alguma objetividade. O problema, parece-me, é qual tipo de objetividade. Há autores, geralmente construtivistas – por exemplo, Coleman, Leiter, Andrei Marmor e Owen Fiss –, que falam de que é necessária certa objetividade, porque percebem que se não há qualquer objetividade, então não há interpretação. Seria invenção: eu daria o sentido que me apetecesse de acordo com o humor com que acordei de manhã; se acordei de bom humor, então perdoo a vida da pessoa; se acordei de mau humor, mando-a à pena de morte. Efetivamente, isto é disparate e o Direito não é assim. O Direito não pode ser o que dizem aqueles que falam de uma falta de objetividade da interpretação jurídica, pois seria um disparate. O problema apresenta-se em qual tipo de objetividade. Em geral, há dois tipos de objetividade que estão em discussão. A objetividade forte, digamos assim, referencial, que se refere a certos bens humanos que podem ser conhecidos; e, portanto, o núcleo dos princípios da interpretação refere-se ao bem humano a que a norma se ordena; toda norma ordena-se a algum bem humano, as normas não existem para o mal humano, para prejudicar o homem, as normas jurídicas não são feitas para prejudicar as pessoas, mas para salvá-las, para tornar-lhes a vida, digamos, mais habitável. Esta é a concepção forte da objetividade: há uma referência a certos bens humanos e a certa relação da conduta a esses bens, que é a referência ou designatum da interpretação. Por sua vez, para alguns autores – alguns que são positivistas inclusivos, outros que se denominam positivas, mas não parecem que o sejam – a objetividade é uma objetividade procedimental, que provém do cumprimento de certos procedimentos (Dworkin tem uma postura deste tipo): se se ouviram todas as partes, se se estudaram todos os textos jurídicos, se se seguiu um raciocínio similar ao que os juízes seguiram até agora etc., então essa interpretação é objetiva, sem necessidade de que seja de uma objetividade forte; seria uma objetividade débil. Penso que a objetividade débil incorre no mesmo defeito que o ceticismo, porque, em última instância, tal como quando falávamos do teorema de Münchhausen, se remete a um estágio intermediário, detendo-se arbitrariamente nesse mero procedimento. E, infelizmente, o procedimento é como a máquina de moer carne: se se coloca carne e se gira a máquina, sai carne; mas se se coloca terra, sai terra. Ou seja, a forma e o procedimento não conseguem incidir decisivamente nos conteúdos. Portanto, parece-me que a objetividade tem de ter, pelo menos, uma referência a certos conteúdos para que o resultado seja um conteúdo determinado; do contrário, acontece com os procedimentos aquilo que ocorre com o teste de Kant “age de tal modo que a máxima da tua conduta possa servir de princípio de legislação universal”, no qual pode entrar qualquer coisa praticamente. Isto é, é necessária alguma referência a conteúdos materiais para que o resultado do raciocínio tenha certos conteúdos. O que acontece é que todos esses autores dão por assentados esses conteúdos; dão por assentada a concepção liberal da vida, a autonomia do homem etc. Dão tudo isto por assentado, mas não o demonstram. Dizem que não, que, na verdade, isto é puro procedimento. Mas não é puro procedimento, porque há certos conteúdos materiais [implícitos], que são aqueles que depois aparecem na conclusão.

Dentro da interpretação, senhor disse que se pode alcançar a objetividade. Mas aqui é onde me chama a atenção as teses do realismo escandinavo, que dizem que quando alguém se propõe a alcançar a objetividade dentro de um texto, existe esse mínimo de moralidade que já dá um elemento subjetivo a esse tipo de interpretação. Como podemos dar certeza à objetividade com esses conteúdos de moralidade na interpretação?

Na verdade, o que acontece é que uma coisa é a objetividade e outra coisa é a certeza. Eu disse que é necessária uma objetividade “forte”, mas não digo que seja possível uma certeza fácil nem que ela seja fácil de ser alcançada. É difícil, porque há diferentes pontos de vista. Todos nós que, alguma vez, exercemos funções diretivas, em que tivemos que interpretar textos administrativos – eu nunca exerci a função judicial, mas exerci muitas vezes funções administrativas, sobretudo no âmbito universitário, e tive de resolver questões como de se cabia expulsar, suspender ou absolver um empregado. Com efeito, há razões a favor de uma opção e razões da outra. Evidentemente, isto não significa que então exista uma certeza. A interpretação jurídica, a interpretação prática não tem certeza alguma, como dizia Aristóteles. Efetivamente, aqui não há possibilidade de uma certeza. A solução dos modernos foi a de que era preciso aplicar uma lógica, deixar de lado toda valoração e então se ia conseguir o resultado. Esta concepção moderna, que alguns positivistas adotaram, demonstrou-se falsa pela simples razão de que sempre que se interpreta, fazem-se valorações. Mas as valorações não são meramente subjetivas necessariamente. Na valoração, há um elemento de subjetividade, mas a valoração como um todo não é subjetiva. Isto é, não posso dizer com sentido que é bom matar o inocente. Alguém poderia dizer: “Mas é isto o que eu penso”. E seria preciso dizer: “Veja, você pode pensar tolices, mas estamos falando a sério, de modo que há certos limites ao que se pode pensar”. Por isso, uma coisa é objetividade “forte” e outra coisa é que ela possa ser conseguida com certeza.

Esse problema da certeza é importante. Houve várias opções para alcançar a certeza. Alguns diziam que a certeza provinha do legislador. Na República, Platão dizia que o legislador e o juiz deviam ser sábios e bons; assim, iriam resolver as questões corretamente. Mas o mesmo Platão, quando velho, escreveu outro livro que se chamou As leis, em que disse que isso não era suficiente, porque é muito difícil encontrar pessoas sábias e boas; então é preciso que a racionalidade esteja na legislação. E se analisamos Aristóteles de modo balanceado, ele diz que são necessárias as duas coisas: que as leis sejam boas e que os juízes sejam bons. Ou seja, para que se atinjam as melhores soluções – que nunca podem ser absolutamente perfeitas, porque não têm certeza alguma –, o ideal da justiça é a que legislação seja correta e que os juízes sejam moralmente retos e intelectualmente sábios. Esta é a solução. Alguém poderia dizer: “Mas é muito difícil”. Evidentemente que sim. Tudo o que é bom na vida é difícil.

Acerca da postura de Tomás de Aquino de que a interpretação da certeza tem um caráter subjetivista, O’Connor dizia que o intelecto do julgador o complementava. Bem, em relação ao âmbito da interpretação, por que invalidar, em torno da ideia de O’Connor, o jusnaturalismo a partir da ideia de que as palavras descritivas e as palavras valorativas são significativas em sentidos diferentes? Ou seja, sustenta-se que essas diferenças tornam impossível que qualquer afirmação dos fatos carece de um sentido de valor.

Eu diria que esta é uma concepção simplista. Na verdade, os fatos sociais, não os fatos brutos, como, por exemplo, o fato de que esse quadro negro que está na nossa frente (posso dizer isto sem valorar nada)… mas quando fazemos referência ao ser humano dizendo, por exemplo, “este homem deve condenado à prisão”, isto não se pode dizer sem valorar. Ou seja, no âmbito do Direito, a valoração é necessária. Por exemplo, para determinarmos quais realidades se incluem no estudo da teoria jurídica. Efetivamente, para sabermos quais são os temas da teoria jurídica, é preciso valorarmos quais são os temas importantes para o Direito. O fato de que a lei tenha sido redigida com uma caneta esferográfica ou com uma pena não é relevante. Então é preciso valorarmos, a fim de sabermos se uma realidade humana pode ser ou não introduzida numa teoria jurídica. Para sabermos quais são importantes, quais são relevantes, quais têm importância para o resultado do Direito, é preciso que valoremos. Portanto, a teoria do Direito, absolutamente sem valoração alguma, não só é impossível teoricamente, mas também inviável nos fatos, porque se tomamos um livro qualquer – de Kelsen, por exemplo –, chegamos à página 3 e ali se encontra uma valoração – implícita, mas sempre uma valoração. Além disso, a valoração dá-se não no nível das palavras, mas no das proposições; a palavra “árvore” não tem valoração, mas a proposição “esta árvore é velha” já significa certa valoração. Na ordem das proposições deônticas e valorativas humanas, estamos sempre valorando necessariamente, explícita ou implicitamente. Por isso, parece-me que esta objeção não procede, a qual, além do mais, está meio desacreditada hoje em dia, porque até mesmo os positivistas – o próprio Marmor, nesse livro que citei antes – reconhecem que, com efeito, há certa valoração. O que dizem é que não se trata de uma valoração moral, mas isto já outro problema.

Doutor, outra grande discussão que me pareceu bastante interessante, com Martha Nussbaum, relativa a que, hoje em dia, o Direito é a ocultação do humano. Hoje, quando procuramos buscar objetividade, ao passo que os filósofos da linguagem nos dizem que não se pode encontrar objetividade em texto algum. Mas ocultar o humano dentro do Direito não seria também negar a parte “naturalista” que existe dentro dos conteúdos e de cada texto que existe? Porque, hoje, infelizmente, pensa-se o direito positivo como a-histórico, como desprovido de uma história; pensa-se ele como um ato e um devir do presente.

Sim. E, além disso, essa pergunta que me você me fez remete-me… o tema da ocultação. Acontece que há toda uma corrente contemporânea do pensamento jurídico que vê o Direito, a aplicação do Direito, a legislação e a judicatura como um fenômeno de ocultação de interesses ideológicos, econômicos, sociais etc. A expressão mais sistemática e mais difundida disto é do Critical Legal Studies Movement, formada por autores norte-americanos como, por exemplo, Duncan Kennedy – a quem conheci aqui, no México, faz uns anos, num congresso organizado pela UNAM, um congresso de Filosofia do Direito muito importante – e Roberto Mangabeira Unger, um brasileiro que, hoje em dia, se dedica à política, abandonou todas essas coisas e que está vivendo novamente no Brasil. Esses autores sustentam a afirmação de que, na realidade – na realidade profunda, na realidade real, valha a redundância –, o Direito radica em interesses econômicos, ideológicos e/ou sociais (ou políticos); e que, na verdade, quando o juiz diz “esta pessoa deve ser condenada à prisão, por esta, aquela e essa outra razões”, está ocultando, está mandando para a prisão por causa do nível social dela, da sua categoria social. Bom, como em todas as coisas, não se pode dizer que tudo o que eles dizem é falso; não, há muitas vezes em que a categoria social da pessoa influi; mas isso não quer dizer que o Direito e a interpretação jurídica sejam um mero encobrimento, só encobrimento, que não haja nenhum juiz que não esteja interessado nos atos da pessoa, na crueldade com que ela matou a vítima, independentemente da categoria social da pessoa. Ou seja, parece-me que é uma afirmação que, em primeiro lugar, peca por ser simplista, por ser excessivamente sectária; e, por outro lado, porque é autocontraditória, porque se nós sustentarmos que todas as proposições são ocultação de interesses espúrios, teremos como resultado que essa afirmação de que “todas as proposições são ocultação de interesses espúrios” também é ocultação de interesses espúrios, de modo que este raciocínio nunca, jamais terminaria, e nada teria sentido. Assim, a vida do homem careceria de sentido e, portanto, não teria sentido abrir a boca; como dizia o primeiro Wittgenstein, seria melhor calar-se, seria a única possibilidade.

Poderia comentar-nos sobre o positivismo na interpretação jurídica e como Finnis dá fundamento a que o Direito do passado e o Direito do presente se unem, a fim de construir aquilo que hoje conhecemos como Filosofia do Direito?

Em relação ao positivismo jurídico é importante que o seu ícone máximo, a culminação do positivismo jurídico iniciado no séc. XIX, Hans Kelsen, diz expressamente que não há interpretação, mas que há criação de Direito novo e pronto. Ou seja, interpretação das normas propriamente dita não há. Isto está no último capítulo – que são oito páginas – da Teoria pura do direito, na última edição da editora Porrúa, nas quais ele diz, efetivamente, que a interpretação não existe. Porque, para o positivismo jurídico, na verdade, é muito difícil afirmar que há interpretação. Por quê? Porque a interpretação sempre pressupõe valorações; porque toda referência a condutas humanas pressupõe valorações, necessariamente. E, portanto, para o positivismo jurídico excludente, que não quer que haja nem proposições morais nem proposições valorativas no direito, o fato de que haja interpretação cria-lhe um problema insolúvel. Portanto, para um positivista consistente e coerente, não teria de haver propriamente interpretação. O que Kelsen diz é que há criação voluntarista do Direito; ou então, o que diz Riccardo Guastini, por exemplo, o que existe é mera atribuição; eu atribuo este sentido, assim como poderia atribuir aquele outro ou qualquer outro. Enfim, não poderia haver uma valoração mais ou menos objetiva; e, portanto, eu posso dizer o que eu bem entenda, de acordo a como acordei esta manhã ou de acordo a como o café da manhã me caiu. Efetivamente, esta concepção positivista contrapõe-se à concepção de Finnis, para quem, para que se interprete, para que se aplique o Direito – o que se chama atribuição jurídica, que é aplicação do Direito – é necessária certa valoração da conduta das pessoas. Para que eu possa saber se uma pessoa é um homicida, tenho de fazer uma valoração; para que eu possa saber se essa pessoa merece a condenação à prisão, tenho de fazer uma valoração; para que eu possa saber se essa lei se aplica a essa pessoa, também tenho de fazer uma valoração. E, ademais, o Direito não é só o Direito que se encontra vigente neste instante, mas tem uma reminiscência histórica – o que também se vê, por exemplo, no pensamento de Gadamer, que faz referência às tradições de pensamento e a que, sobretudo na ordem prática, é impossível pensar fora das tradições de pensamento. Também Alasdair MacIntyre – que agora é professor na Universidade Notre Dame, nos Estados Unidos – sustenta a mesma coisa: não se pode pensar sem certo contexto de pensamento, que é necessariamente tradicional, é necessariamente anterior ao momento em que me ponho a pensar; isto é, eu não consigo criar instantaneamente um contexto de pensamento, de cultura e de valores, mas tenho de tomar algum dos que estão vigentes em alguma tradição de pensamento. Por isso, o fato de que o pensamento prático esteja carregado de tradições é especialmente importante, porque, aliás, o próprio Kelsen, por exemplo, inseriu-se numa tradição de pensamento positivista, que tem a sua origem em Comte; ele dizia-o expressamente, aceitava a sua dependência em relação a Comte.

Continuamente, nas discussões de Filosofia do Direito, há dois elementos que sempre me chamam muito a atenção: sentido e certeza. Hoje, quando falamos dos direitos humanos e da sua interpretação, também se pode pensar como um discurso que legitima algum setor político. Já não se vê como um horizonte a ser seguido. Assim, perdemos o sentido e a certeza que os direitos humanos nos podem dar. O senhor acredita que os direitos humanos têm de ser reinterpretados hoje em dia não sob a ótica analítica, porém mais sob uma ótica da razão prática?

Acredito que sim. Mas vamos começar pela primeira parte da pergunta, isto é, o uso dos direitos humanos para causas políticas. Na Argentina, estamos cansados disso, esgotados de ver isso acontecer. De fato, há pessoas que defendem – por exemplo, a principal referência dos direitos humanos na Argentina, que é a Sra. De Bonaffini – alegrar-se e parabenizar aqueles que atentaram contra as Torres Gêmeas. Pareceu-lhe sensacional, o ato mais interessante que ela tinha visto nos últimos anos e que aqueles que fizeram isso eram grandes heróis. Ou seja, uma pessoa que diz defender os direitos humanos e, ao mesmo tempo, aprova e parabeniza os que cometem um homicídio – 3.500, não lembro, talvez 5.000 pessoas –, há aí uma contradição clara. Lá na Argentina nós temos claro que, por exemplo, o governo dos Kirchner – tanto o de Néstor como o de Cristina – tomou de repente a questão dos direitos humanos, pela qual nunca se tinham preocupado antes (jamais: andavam abraçados com os militares, existem as fotos) como estratégia de tomada do poder e de conservação do poder. E, claro, se alguém defende os direitos humanos, não pode ser acusado de que tome para si o dinheiro sobressalente das obras públicas. Essa é uma utilização descarada dos direitos humanos. Porém, o problema é que, como dizia São Thomas More, não há que eliminar os usos por causa dos abusos; ou seja, o fato de que haja pessoas que interpretem erradamente, utilize e manipule os direitos humanos para causas políticas concretas, isto não significa que os direitos humanos não devam ser defendidos nem que os direitos humanos não sejam, hoje em dia, o núcleo duro da ética jurídica contemporânea. Por isso, parece-me que é preciso fazer uma reinterpretação dos direitos humanos. Parece-me que, no México, a questão dos direitos humanos tem sido levada bastante mais a sério do que na Argentina. Embora haja casos isolados de manipulação dos direitos humanos, não são sistemáticos como na Argentina. Há pessoas sérias que escrevem sobre os direitos humanos, que estudam as questões e que o fazem de um modo não sectário nem parcial. Isto é algo em que se deve continuar a insistir: a questão dos direitos humanos não deve servir para tomar o poder, conservá-lo e encher-se os bolsos de dólares, mas deve servir para assegurar aos seres humanos certa imunidade em relação a certas condutas e para garantir certos bens humanos. Porque o conteúdo dos direitos humanos são os bens humanos – por exemplo, o conteúdo do direito à vida é o bem humano da vida, existe o direito à saúde porque a saúde é um bem humano e assim sucessivamente. E a partir desta perspectiva dos direitos humanos, parece-me muito mais rico interpretar os direitos humanos do que dizer vaguezas para depois utilizá-los e manipulá-los de um modo mais fácil.

Qual é uma das teorias que poderia dar sentido aos direitos humanos?

Em relação a Bentham, quero recordar que ele dizia que os direitos humanos eram uma bastarda ralé de monstros. Bentham, como era um positivista absoluto, pensava que só havia o direito positivo; então, claro, os direitos humanos, enquanto não estivessem positivados, não tinham valor algum e só serviam para iludir as pessoas com ideias estranhas que não coincidiam com a realidade das coisas. Isto por um lado. E em relação à segunda parte, penso que a teoria ou a tentativa de Finnis de justificar os direitos humanos e o direito em geral a partir da perspectiva dos bens humanos básicos, parece-me ser a ideia mais feliz e mais rica, porque, efetivamente, nós percebemos que todo direito humano tem de ter um bem humano como objeto. De fato, se a vida não fosse um bem humano, se o homem não fosse um ser vivente, então falar de direito à vida seria uma tolice. A mesma coisa com relação ao direito à saúde: se o homem não fosse uma pessoa falível ou suscetível de adoecer, a saúde não seria um bem humano e, portanto, o direito à saúde não existiria. Parece-me que esta interpretação dos direitos humanos em termos de bens humanos é muito mais rica e até mesmo mais precisa – eu não diria mais certa, porque, novamente, a certeza, sobretudo nos casos individuais, é muito difícil de ser alcançada. E em relação à certeza nas questões práticas é interessante a solução que Aristóteles propôs e que depois Tomás de Aquino reiterou: em razão da contingência do objeto, por causa da variabilidade do objeto prático concreto, como não se pode alcançar uma certeza matemática, a solução consiste na virtude do julgador e do legislador. Quando o juiz é virtuoso, quando o juiz é uma boa pessoa, vai julgar bem. Nós sabemos disso; quando alguém vai até um juiz que é uma boa pessoa, fica mais tranquilo; quando sei que o juiz é um corrupto, que depende dos dólares que eu lhe ponha debaixo da mesa para ele decidir, fico nervoso, sobretudo se a outra parte tem mais dólares que eu.

Doutor, penso que esta conversa foi muito interessante, o tempo passou-se muitíssimo rápido. Agradecemos-lhe por ter-nos acompanhado aqui em Grado Cero. Não sei se tem alguma conclusão extra.

Obrigado a vocês. Sou relativamente cético em relação a que estas questões de Filosofia jurídica interessem muito o público que nos escuta, mas não custa nada tentar, não é? Muito obrigado.