DIREITO E CINEMA

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Sobre esta seção

Esta seção é dedicada a indicações e comentários de filmes com conteúdo filosófico, jurídico, histórico e social para a formação humanística dos profissionais do direito. A formação do jurista deve se dar em todos os aspectos e a sétima arte tem importante papel para o despertar da sensibilidade do justo e do equitativo. A justiça, como é a virtude que nos leva a dar a cada um o que é seu, deve ser cultivada de diversos modos, não somente com a leitura de obras jurídicas, mas também com as artes, como a literatura, o teatro, o cinema, a pintura, a escultura, a música, a dança e o cinema, que podemos dizer, em certo sentido, engloba todas; e eis que desempenham um importante papel na formação da opinião pública sobre as questões jurídicas de modo geral. Sabe-se que obras de literatura, por exemplo, foram motores de discussão de temas sociais de grande envergadura. Entre nós se destaca o papel dos literatos e poetas na causa da abolição da escravatura como, por exemplo, Castro Alves.

Nesse aspecto alguns filmes podem ilustrar temas jurídico-filosóficos e suscitar debates para o aprofundamento da consciência do justo e injusto em cada época. Assim sendo, a cada edição serão indicados e comentados filmes com perspectivas que levem ao engrandecimento da alma e do debate sobre temas de interesse para a seara jurídica. O método será simples. Em primeiro lugar far-se-á uma pequena exposição sobre a obra e a seguir qual o relevo jurídico que tal filme tem para a formação e o debate de temas atuais. Será uma exposição que incentive aqueles que não assistiram a obra, para que o façam e aqueles que já a assistiram, queiram assisti-la novamente, sob um novo enfoque.

O Homem Elefante e os direitos humanos

Trata-se de um clássico do cinema do diretor David Lynch, uma de suas obras mais premiadas, do ano de 1980. O filme é baseado em fato reais, na vida do inglês Joseph Merrick que sofria uma grave deformação corporal, sendo apelidado de Homem Elefante. No filme, interpretado por John Kurt, Merrick trabalhava num circo, em apresentações de horror, quando é encontrado pelo médico Frederick Treves (Anthony Hopkins), o que possibilita uma mudança de trajetória na sua vida marcada pelo sofrimento. Este belíssimo filme é ambientado em Londres no fim do século XIX.

A obra cinematográfica nos leva a pensar sobre o fundamento mesmo dos direitos humanos, ou seja, que é válido independentemente da aparência física ou grau de desenvolvimento da personalidade da pessoa. Todo o ser humano goza de dignidade e, portanto, possui direitos inalienáveis como os direitos à vida, à liberdade, à saúde, a ser tratado com respeito. Essa mensagem é tratada em todo o filme e nos coloca frente a outros temas interessantes, como o do aborto, eis que o embrião ainda que não tenha atingido a maturidade corporal, já é pessoa, e como tal merece todo o respeito que lhe é devido. A deformidade física não retira do ser humano a sua dignidade intrínseca. Os aleijados, os doentes mentais, as crianças em formação fetal não perdem a sua dignidade humana por essa condição.

O alcance dessa percepção da igual dignidade de todos homens, contudo, tem diminuído no mundo contemporâneo, haja vista a notícia de que crianças no seio materno diagnosticadas com síndrome de Down são abortadas em massa, em vários países da Europa: como Islândia, Reino Unido, França[1], em um total descompasso com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Existe uma enorme distância entre a letra da lei e a realidade. A aparência física ou a doença podem levar a grandes discriminações como vemos em diversos casos na história. Os elementos acidentais da pessoa humana, como aparência, cor, tamanho, etc., não alteram a sua substância, mas requerem a nossa compaixão e o nosso cuidado. Na verdade, o acolhimento de pessoas doentes e aleijadas no seio da família e da comunidade é um grande fator de humanização das relações e da valorização do ser humano e da sua dignidade.

[1] https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/paises-europeus-usam-o-aborto-para-eliminar-bebes-com-sindrome-de-down/

Noite e Neblina e os “novos campos de concentração”

Este documentário é um clássico do gênero. Obra imperdível do diretor francês Alain Resnais filmado em 1955. O documentário retrata a vida nos campos de concentração nazistas na II Guerra Mundial e do todos os horrores pelos quais passaram os seus prisioneiros. É um dos melhores filmes sobre o Holocausto e uma alerta constante para a defesa dos direitos da pessoa humana.

Hoje existem outros “campos de concentração”: as clínicas de aborto, onde se matam em torno de 50 milhões de pessoa por ano, uma carnificina que é comparável ao número de mortos na II Guerra Mundial. E tal como no caso da Alemanha daquela época a sociedade contemporânea está inerte perante tamanho genocídio, com um ingrediente anda mais funesto, esses assassinatos são defendidos como direitos em muitos países, a ponto do Parlamento da União Europeia aprovar relatório para que o aborto seja reconhecido como um direito humano[1]. Estamos diante de um retrocesso social sem precedentes. A Noite e a Neblina caem de novo sobre o mundo, estamos cegos ao clamor de milhões de vozes inocentes.

[1] https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/breves/parlamento-europeu-inclui-o-aborto-na-lista-de-direitos-humanos/

Autor: Leslei Lester dos Anjos Magalhães

Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (1998). Mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP (2010). Advogado da União de Categoria Especial.